terça-feira, março 13, 2012

Leituras

Um congresso histórico
O recente congresso do sindicato do Ministério Público, realizado num hotel de cinco estrelas de Vilamoura, no Algarve, mostra bem a degenerescência moral que atingiu esta magistratura ou, pelo menos, a sua fação hegemónica. Para realizar o sinédrio, os magistrados dirigentes sindicais não hesitaram em pedir dinheiro a várias empresas, incluindo bancos outrora indiciados de envolvimento em atividades ilícitas. Com efeito, o congresso contou com o «alto patrocínio» do Banco Espírito Santo e do Montepio, dois bancos envolvidos na célebre «Operação Furacão» - o primeiro diretamente e o segundo porque comprou um banco envolvido, o Finibanco. Além disso, o congresso teve também o «alto patrocínio» da companhia de seguros Império Bonança, bem como o patrocínio oficial da Caixa Geral de Depósitos e da Coimbra Editora e ainda o patrocínio do BPI e dos Cafés Delta, entre outros.
Os procuradores sindicalistas reuniram assim um vasto conjunto de apoios financeiros que lhes permitiram não só realizar o congresso mas sobretudo oferecer um luxuoso programa social para acompanhantes e congressistas que incluiu um cruzeiro pela costa algarvia, almoços e jantares em hotéis de cinco estrelas, passeios diversos e provas de produtos regionais e, por fim, dar as sobras dessa abastança a uma instituição privada sem fins lucrativos como é a Fundação António Aleixo. Eles não hesitaram em pedir dinheiro a entidades suspeitas de crimes económicos graves para agradar aos convidados entre os quais diretores de órgãos de informação que permanentemente violam o segredo de justiça. Como é possível pedir dinheiro para pagar um programa social principesco, manifestamente fora do alcance económico dos seus organizadores, concebido para aliciar colegas e convidados a participarem no evento?
A propósito destes patrocínios, Vital Moreira interrogava, recentemente, no seu blogue «Causa Nossa»: «Não restará nestes sindicalistas judiciais um mínimo de sentido deontológico sobre a incompatibilidade entre a sua função e o financiamento alheio dos seus eventos sindicais? Não se deram conta de que se amanhã um dos seus generosos financiadores deixar de ser investigado ou acusado de alguma infração penal que lhe seja assacada, tal pode lançar a dúvida sobre a sua isenção»?
Com que cara é que magistrados do MP vão pedir dinheiro a um banco envolvido na «Operação Furacão» e ainda suspeito de corromper políticos no caso do abate de sobreiros da Herdade da Vargem, em Benavente, e indiciado por ter feito desaparecer nas suas filiais internacionais o rasto de cerca de 30 milhões de euros, alegadamente pagos como comissões pela compra, pelo Estado português, de dois submarinos a um consórcio alemão?
Diz o artigo 373º n.oº 2 do Código Penal que comete o crime de corrupção passiva para ato lícito quem «por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas». Será que esta norma só não se aplica a magistrados? Será que nenhum dos patrocinadores teve no passado alguma pretensão dependente do exercício das funções dos magistrados do MP? Claro que sim. E houve até situações, no âmbito da «Operação Furacão», em que o procurador titular do processo defendeu teses mais favoráveis aos arguidos do que a do próprio juiz de instrução.
Sublinhe-se que o MP perseguiu criminalmente alguns médicos a quem acusou de terem solicitado e aceite patrocínios da indústria farmacêutica, alguns deles para poderem participar em congressos. Então os magistrados do MP podem fazer o mesmo sem quaisquer consequências?
Seja como for, os procuradores que estiveram no congresso, no mínimo, não deverão no futuro intervir em processos em que sejam partes quaisquer das empresas patrocinadoras do evento, pois tal constituirá «motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade», nos termos dos artigos 43º n.oº 1 e 4 e 54, n.oº 1 do Código de Processo Penal.
Não há dúvidas de que este congresso vai ficar na história.

(Publicado no Jornal de Notícias em 12 de março de 2012)