terça-feira, março 13, 2012

A GOLPADA


«Na vida há três tipos de castas de indivíduos: uma, que entende por si mesma as coisas, outra que sabe distinguir o que os outros entendem e, por fim, outra que nem por si entendem nem sabem ajuizar o trabalho dos outros. A primeira é excelente, a segunda muito boa e a terceira inútil.» (Nicolau Maquiavel – O Príncipe).
Vem isto a propósito das diferentes percepções que cada um possa ter acerca da tão famigerada Reforma Administrativa em curso.
Se para a segunda casta do universo da percepção tudo se resumirá a uma bem-intencionada “agregação”, para a terceira estará em causa uma inevitável “extinção”.
Só a primeira entenderá a verdadeira importância do que está em causa.
Só esses compreendem que as freguesias, pela sua proximidade às comunidades, constituem ainda hoje o elemento muito forte na identidade e sentimento de pertença das populações, sobretudo no interior do país.
As mudanças ocorridas desde 1916 (quando a paróquia civil passou a designar-se “freguesia”) na distribuição da população, na construção dos equipamentos e na ocupação e usos do território, desaconselham a extinção simultânea de quase metade das freguesias, para mais com base em métodos estatísticos e em conveniências políticas puramente conjunturais.
Sem prejuízo de uma ou de outra correcção pontual que se recomende, as freguesias, se beneficiassem antes de um reforço bem estruturado das suas competências, contribuiriam, e muito, para a intensificação da participação pública e para o aprofundamento da democracia em geral. Coisa que, como sabemos, não interessa à imensa maioria dos interesses instalados…
Não é por acaso que todo este processo tem sido formulado de cima para baixo, ao arrepio das populações. Para que conste, o espírito da Carta Europeia da Autonomia Local (CEAL), assinada a 15 de Outubro de 1985, vincula, no seu artigo 5.º, o nosso país, em casos destes, à consulta popular: As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita.
Um processo que deveria submeter-se aos órgãos das autarquias locais afectadas e a prazos adequados à realização de consultas às populações, foi transformado em mais uma decisão troikista, à pala da “ajuda externa”.
Some-se a isto o circo da “limitação de mandatos”, com mais alçapões que buracos num queijo suíço, e estamos conversados.
Só para exemplo, nada impede o presidente de uma câmara a quem se aplique a “limitação”, de concorrer como número dois na próxima lista. E de passar novamente a presidente um mês depois das eleições, por desistência do seu número um…
Isto faz prever que em muitos casos o titular de um cargo autárquico só de lá saia se, por obra e graça do divino, um dia cair da cadeira, qual decrépito Oliveira Salazar!
A política, de actividade nobre que deveria ser na origem, transformou-se na arte de enganar os povos. Ganhará as eleições o melhor malabarista, fazendo bom uso das diferentes percepções tão bem entendidas por Maquiavel.
Transformámo-nos assim num país de artistas, no qual alguns, os campeões inatos, se alcandoram ao estatuto de espertalhões, enquanto a maioria é constituída pelos espectadores do corro. A limitação dos mandatos fez-se para RENOVAR. COISA QUE OS BASTARDOS NÃO SABEM O QUE É!!! A limitação foi feita para evitar dependências, lutar contra os caciques, os comendadores que só são vistos quando há comendas a distribuir, quando há votações e, quando há hossanas na capelinha dos (de)votos.
Isto remete-nos para outro universo, o da origem e da natureza do poder.
Daí também emergem castas.
Dizem os cínicos que a humanidade é constituída por 5% de bons, por 5% de maus, e por 90% de carneiros, sendo os destinos do mundo decididos apenas pela eterna luta entre os primeiros e os segundos.
Não foi também Maquiavel quem disse que «São tão simples os homens e obedecem tanto às necessidades presentes, que quem engana encontrará sempre alguém que se deixa enganar»?...

(Artigo publicado no jornal O Interior, dia 8 de Março de 2012)