sábado, dezembro 02, 2006
A Frase da Semana
Na sessão solene comemorativa dos 807 anos da Guarda, o ex-ministro da educação do governo de Marcelo Caetano, diplomata depois do 25 de Abril, Veiga Simão, natural de Prados, concelho de Celorico da Beira, disse que « É tempo da Guarda ser Guarda».
Ficamos sem saber a que Guarda se referia o senhor conferencista, convidado da autarquia para a sessão solene.
À Guarda dos tempos do Rei «Povoador»?
À Guarda dos arcebispados que foi infiel ao Rei de Portugal e preferiu aliar-se a Castela?
À Guarda dos anos 60 e 70, do século XX, que empurrou os seus filhos para a gesta dos «descobrimentos» das terras de França, à procura do pão que lhe era negado por um governo déspota;
À Guarda da demagogia que tudo tem retirado aos seus cidadãos?
À Guarda do tempo da vacas gordas, Fundos Comunitários, que tudo permitiu menos o desenvolvimento do concelho?
Só que agora chegou o tempo das vacas magras!!!
E agora José?
Horas?
Nos colóquios de espelho nunca é tarde nem é cedo nem hora certa sequer, quem me ensinou isto foi o reverendo Lewis Carrol que tinha a mania dos vidrinhos às cores.
Se calhar ...
Por isso que estes exercícios, se a gente não tiver cuidado, acabam num ritual que não interessa nem ao Menino Jesus. Um ritual, José, onde o padecente, em vez de incenso se esfumaça em nicotina. Em vez de incenso, tabaco, em vez de hossanas, Provocações, e às duas por três, se a gente não mete travões, esta coisa, este frente-frente, acaba numa auto- contemplação. Ou numa autoflagelação, para o caso tanto faz. Porque aqui tudo se passa entre o indivíduo e as suas imagens e, curiosamente, numa conversa muda que sabe tanto a círculo vicioso como este cigarro que eu tenho nos dedos. Fumo-o e ele fuma-me, estás a ver?
Não, nisto de alguém se interrogar ao espelho, olhos nos olhos, é consoante. Tem muitos ângulos - e tu estás aí, que não me deixas mentir. Vários ângulos. Há quem procure, santa inocência, fazer um discurso de silêncio capaz de estilhaçar o vidro e há quem espere receber, por reflexo da própria imagem, algum calor animal que desconhece. Seja como for, o que dói, e assusta, e é triste e desastradamente cómico neste exercício, é o pleonasmo de si mesma em que a pessoa se transforma. Repete-se. Se bem que com feroz independência (todo o seu esforço é esse) repete-se em imagens controversas que a possam explicar.
Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês?
Cardoso Pires por Cardoso Pires, entrev. de Artur Portela, 1ª edição, Publicações D. Quixote, 1991, 124 p., pp. 89-94