quinta-feira, março 19, 2015

Ponto de Vista

Deram recentemente à estampa diversas notícias envolvendo ex-membros da administração do hospital da Guarda. A mais sonante consistiu na confirmação, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, da condenação de Fernando Girão por 4 crimes de difamação agravada cometidos em 2010 contra dois médicos da instituição. Recordo que um desses médicos já havia obtido, num outro processo, a condenação de Fernando Girão por um outro crime algo invulgar no âmbito da gestão hospitalar, no caso em apreço, o crime de violação de correspondência.
Não me recordo, ao nível nacional, de nenhum caso parecido. É muito raro os gestores públicos serem condenados criminalmente e ainda mais que isso aconteça em tal quantidade por iniciativa individual de cidadãos.
Acresce a isto que foi recentemente tornado público que Ana Manso, que substituiu Fernando Girão à frente do hospital, vai ser julgada em Abril pelo crime de abuso de poder. E já está a ser investigada no âmbito de outro processo. Nos dois casos, sempre por diligência do médico em causa. Tive também conhecimento de factos e documentos que me permitem crer que Vasco Lino, que por sua vez sucedeu a Ana Manso, será também alvo de procedimentos criminais, ainda pela mão do mesmo médico. E com todas as probabilidades de ser vítima do mesmo resultado: a condenação!
Ora, tendo tido conhecimento de tudo isto, pus-me a pensar nas especificidades inevitavelmente associáveis a uma situação tão inédita. Dito isto, procedi a um exaustivo levantamento de todas as notícias dos últimos 15 anos e de alguns ficheiros judiciais que tenho em arquivo. Estou assim em condições de vos resumir uma história com o seu quê de fantástico. É algo em que vale a pena meditar e que de facto explica muita coisa.
Já em 2004 o médico em causa foi alvo de um processo disciplinar por gastar a eletricidade do hospital ao ter lá colocado equipamentos no valor de mais de 40 mil euros para operar doentes. O médico ganhou esse processo e voltou a colocar equipamentos no hospital uns anos mais tarde, recusando-se sempre a pedir licença a qualquer administração para o fazer.
Em 2007 esse médico foi líder de um abaixo-assinado que ameaçou José Sócrates, com todas as letras, de encerramento da faculdade de medicina da Beira Interior se a maternidade da Guarda viesse a ser fechada. Defendia o médico que se os hospitais não servem para tratar doentes, também não servem para dar aulas. O médico ganhou a parada e três meses depois Correia de Campos, ministro da Saúde do PS, veio à Guarda içar a bandeira branca e anunciar a criação da ULS da Guarda e a manutenção da maternidade.
Mas Sócrates não perdoou. Quando em 2009 o tal médico encabeçou novo abaixo-assinado acerca do mesmo assunto, ou Sócrates ou o seu chefe de gabinete, de acordo com os registos judiciais, telefonaram a Fernando Girão. Seguiu-se uma nova leva de processos disciplinares, tendo o médico em causa e um outro sido condenados a pagarem uma multa de 33 mil euros por terem usado papel timbrado do hospital na elaboração do mesmo! Num dos processos disciplinares subsequentes o médico acabou por ser despedido pela administração de Fernando Girão, ilegalmente segundo se diz. Dizem também as más-línguas que o médico aproveitou o tempo livre para passar a escrutinar, investigar e denunciar as miudezas da má gestão a que a partidarite já nos habituou na administração hospitalar. Com os resultados que se têm visto… Ana Manso compreenderá agora, embora tarde de mais, como decerto já sucedeu com Fernando Girão, aonde eu quero chegar. E acredito que Vasco Lino, a seu tempo, também lá chegará…

Enquanto aguarda pela sua reintegração na instituição, o médico de que falo, cujo nome não menciono aqui de propósito, já deve ter levado mais do que um dos personagens a que me referi a pensar que em certas situações o segredo da vida é capaz de não residir em saber-se escolher bem os amigos, mas antes os inimigos. É que se a mãe da justiça poética é o acaso, o seu melhor aliado é o tempo! Ou o ócio… 
Muito bom dia a todos.

(Crónica na Rádio F - 16/03/2015)