Apatia, clientelismo, submissão, populismo e cooptação
Democracia é uma forma de Estado e de vida. A forma de vida refere-se ao comportamento dos cidadãos que vivem na democracia. E a democracia é incompatível com corrupção. A democracia é a cidadania, não é um regime com párias. Falar em transparência, por exemplo, não é apenas invocar o direito da sociedade de tomar conhecimento de tudo que se passa na área pública, é, principalmente, saber, conhecer e controlar a aplicação do dinheiro dos contribuintes. Fazer a História é estar presente nela e não simplesmente nela estar representado. Vem tudo a propósito da imposição, por decreto-lei, da já célebre “lei dos solos” Curiosamente, ou talvez não, uma lei em tudo semelhante a outra, essa da autoria do governo socialista, que tendo como pretexto a morosidade dos contratos públicos impôs a célebre lei dos ajustes directos. Na altura o PSD reconheceu ser uma lei que abria a porta a mais e mais corrupção. Os casos noticiados e nem sempre atendidos e entendidos pela Justiça confirmaram tal “percepção”. Agora é o PS que timidamente, estamos em vésperas de eleições autárquicas, há que ter cuidado com as tomadas de posição, veladamente diz ser contra a lei, mas que não vai criar obstáculos à sua aprovação em sede parlamentar. A lei dos solos, da autoria da AD, abre ainda mais a porta da corrupção. Como se ainda estivesse presente a regência absolutista, ou seja, a vontade do senhor feudal. O decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, recorde-se, possibilita a construção em solos classificados como rústicos. O objetivo, diz o Governo, é facilitar a criação de soluções habitacionais que atendam aos critérios de custos controlados e venda a preços acessíveis. Mas ironicamente tais pressupostos foram, de imediato, abandonados e o que prevaleceu na lei publicada e promulgada, foram os interesses dos especuladores, todos eles. Não haverá qualquer aumento na oferta de terrenos para habitação a preços controlados e acessíveis e muito menos a preservação das áreas protegidas. O diploma contribui para a especulação imobiliária. O que determina que o argumento governativo da tal conversão ter como objectivo combater a falta de casas no parque habitacional é mais uma falácia a juntar a tantas outras! Os Planos Directores Municipais são para deitar para o lixo. Em causa está a classificação de solo como rústico nos Planos Diretores Municipais e a sua proteção por regimes como a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional, para preservar áreas aptas para usos agrícolas, florestais e conservação da biodiversidade. Desenganem-se os proprietários com tal medida. Entrega-se tudo às autarquias e dão-se-lhes plenos poderes para fazerem o que quiserem com a paisagem dos seus concelhos. Com ligação mais que directa às receitas prediais do orçamento das autarquias. Aí está a porta bem aberta às oportunidades da corrupção autárquica — largamente documentada e sabida como o centro nevrálgico e magnético da corrupção entre nós. Para esses, este Decreto-Lei do Governo AD é uma prenda, é um convite à tomada do galinheiro pela raposa. Vêm aí eleições autárquicas e isto é matéria muito sensível para os caciques locais do PSD e PS que fazem da lei uma hipocrisia para iludir e convencer incautos. Um embrenhado de interesses que levantará mais e mais suspeitas sobre tudo e todos. O Governo deixou cair o arrendamento acessível como uma das modalidades obrigatórias para que as câmaras municipais possam autorizar essa reconversão para a construção de imóveis com fins habitacionais. Assim, passará a ser exigido apenas que um mínimo de 70% da área total de construção nestes terrenos se destine a habitação pública ou de "valor moderado", um conceito que vem abrir a porta à especulação. Ilusões! Concordamos com aqueles que afirmam que a construção em solos rústicos agrava o desordenamento territorial e põe em risco a autossuficiência alimentar e a conservação da natureza. Mas a falácia é maior e de melhor compreensão quando se analisa o conceito de “habitação de valor moderado” que se traduz em que as casas a construir por privados nestes terrenos poderão ser vendidas a preços acima do mercado. Lembrar que Portugal tem o terceiro maior ‘stock’ de casas da Europa e de uma em cada quatro casas construídas estão vazias. Construir boas e suculentas fortunas sem fiscalização de ninguém só beneficia o populismo. A Bem da Nação!
(Crónica Jornal O Interior - 13 janeiro 2025)