domingo, março 19, 2023

Ponto de vista

Ainda a guerra da Ucrânia não tinha começado e já a inflação consumia os parcos recursos dos cidadãos.

Os vários governos europeus, incluindo o de António Costa em Portugal, alinham pelo mesmo diapasão decretado por uma Lagarde, directora do Banco Central Europeu.

Combate à inflação pela subida dos salários nem pensar pois a consumar-se tal facto haveria uma espiral inflacionária sem precedentes.

Porém, quando não há sinais de uma espiral desse género - segundo dados do Banco Central Europeu, os salários médios reais caíram 5% desde 2019 na zona euro - a possibilidade do reforço das margens de lucro das empresas estarem a ajudar a manter taxas de inflação ainda em valores muito altos modifica os pressupostos que sustentaram a política monetária do Banco Central Europeu no último ano.

Mais uma vez os tecnocratas de Bruxelas falharam nas previsões e na solução.

O que se tem vindo a verificar é que as margens de lucros das empresas aumentaram, quando, por via do aumento dos custos, deveriam estar a diminuir. O que significa que as subidas de preço, que contribuem para o agravamento da taxa de inflação, estão a servir para aumentar os rendimentos das empresas à custa da perda de compra dos consumidores.

Segundo dados do Banco Central Europeu a maior parte das pressões inflacionistas são originadas pela pressão por maiores margens de lucro do que pelo aumento de impostos ou dos custos do trabalho.

Confirma-se que as políticas monetárias do Banco Central Europeu como uma opção de controlo da inflação pelo lado do trabalho - aumentando as taxas de juro de forma acelerada para limitar a procura - quando é do lado dos lucros, do capital, que está uma das causas do surto inflacionista é mais um falhanço.

Os bens alimentares são os que mais têm subido. Só na última semana, o preço de um cabaz alimentar básico composto por 63 produtos essenciais ficou quase quatro euros mais caro, atingindo um novo recorde.

Segundo os cálculos da DECO/Proteste, custa agora €230, o que representa uma subida de 24% face ao período homólogo. Ou seja, para levar para casa exatamente a mesma lista de compras, é preciso agora pagar mais €45 do que há um ano.

Nos dados da DECO/Proteste não há sinais de desaceleração no preço dos bens alimentares essenciais. Há produtos que custam quase o dobro de há um ano, como o arroz carolino ou a polpa de tomate.

O governo de Costa parece ter acordado, só agora, para o problema.

Mas os lucros excessivos há muito tempo vêm sendo falados. Quem já esqueceu a célebre resposta dada por muitas confederações ao dizerem que não sabiam o significado da expressão lucros excessivos.

A confirmar a especulação que se vai verificando, nomeadamente nos bens alimentares, a ASAE está a fiscalizar mais e só nas ações inspetivas realizadas nos supermercados na semana passada foram instaurados dez processos-crime por especulação em produtos como queijo, cereais, carne e fruta.

Mas também as empresas do setor energético EDP, Galp Energia e EDP Renováveis obtiveram lucros conjuntos de 846 milhões de euros, mais do que duplicando o registado no período homólogo. Sem esquecer que entre Abril e Junho de 2022, os lucros das 13 empresas cotadas do PSI, em Portugal, atingiram 1 455 milhões de euros, o que representa um aumento de 86% face ao segundo trimestre de 2021.

É uma ilusão pensar ou dizer, como faz o governo e Mário Centeno, que a inflação é temporária e que vai diminuir rapidamente.

O lucro, e principalmente o lucro excessivo, das empresas não vai terminar tão cedo.

Mas a inflação não beneficia só as grandes empresas, mas também o Estado. As receitas fiscais aumentaram de forma brutal. Em todos os impostos e principalmente no IVA um imposto regressivo que prejudica os mais pobres e beneficia os mais ricos.

Tenham uma boa semana.