Na conta corrente de
Vergílio Ferreira lembro-me do seu pensamento sobre a ordem. Dizia o autor:
«Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de
nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem
dos cemitérios.»
Ora, é precisamente a
partir do mote desta ordem que gostaríamos que fosse perfeita, que vou falar da
câmara da Guarda.
Não falarei da inércia
e da inépcia em muitos dos serviços camarários. Nem das contratações feitas à
medida de boys e girls do partido. Ou da caça às bruxas que já grassa por
gabinetes, corredores e reposteiros. Nem tão pouco da misteriosa verba paga
para que houvesse a tão desejada e ansiada iluminação natalícia. Falarei antes
de um acordo.
Um acordo que foi
anunciado com pompa e circunstância. Um acordo entre o presidente da câmara da
Covilhã e o presidente da câmara da Guarda. Celebrado ao centro, esse acordo
visa a distribuição de cadeiras da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra
da Estrela. Com foguetório que baste, à mistura, nos jornais e não só.
Não me vou perder em
considerações sobre a forma como foram distribuídas as cadeiras e, muito menos,
sobre a legitimidade da decisão tomada. Estamos fartinhos de saber que, quando
se trata de dinheiros públicos, os acordos fazem-se independentemente dos
aventais das seitas.
O que importa aqui
perceber é o que ganhou ou perdeu o concelho da Guarda. E, eventualmente,
porque não dizê-lo também, o da Covilhã?
Recordemos os discursos
inflamados das últimas eleições autárquicas, que propalavam a necessidade de a
Guarda «fazer ouvir a sua voz e liderar o distrito e a região». Assim mesmo,
com denodo e valentia.
Convém
também recordar que esta comunidade intermunicipal de representantes resulta da
tristemente famosa reforma administrativa de um tal de Miguel Relvas.
Impõe-se
agora questionar: para que serve afinal essa comunidade?
De facto, a nova reforma administrativa dá a sua importância às comunidades
intermunicipais. Será a partir destas unidades territoriais que os municípios
poderão aceder aos tão desejados fundos comunitários. O novo quadro
comunitário, de 2014 a 2020, trará milhões de euros para gáudio dos presidentes
de certas câmaras, sobretudo aquelas que agonizam em dívidas, como é o caso das
duas a que me referi.
A outra face desta moeda é a diminuição da autonomia própria de cada
município, com força de lei. O que cada eleitor quiser para a sua terra pode
ser pura e simplesmente obliterado pelo que querem os eleitores do lado, se estes
conseguirem ser politicamente mais fortes. É afinal uma forma indireta de
alguém, noutro concelho, poder vir a decidir por mim.
Estas
comissões intermunicipais estão a ser criadas como “cogumelos” e mais não são
do que fotocópias, a uma escala menor, das Comissões de Coordenação Regional, a
quem também retiram poderes. Encontram o seu espaço nos extintos governos civis,
mas ganham um novo e perigoso domínio à custa do aliciante poder do dinheiro.
Às
autarquias restará o papel de figurantes de cerimónias do faz de conta, onde se
colocam coleiras e bandeirinhas à lapela. Pouco mais lhes restará do que abrir
o expediente e colar envelopes. Para isso o voto será necessário. Para tudo o
resto, as eleições serão cada vez mais dispensáveis. Passará a vigorar, como
aconteceu agora por acordo, a nomeação inter pares daqueles que vão dividir o
dinheiro. Com pouco ou quase nenhum controle do eleitor de cada município, por
diluição de tudo isto num nebuloso universo que foge ao seu controle. E à sua
compreensão.
Esta solução, escorada em
acordos entre autarquias, está talhada à medida dos aparelhos partidários e conventuais.
Por saber está ainda o tamanho destes órgãos e quanto nos vão custar. Só
sabemos quem paga a factura. Somos nós, pois claro.
E mais não digo.
Tenham uma boa semana.
(crónica na Rádio F - 16/12/2013)