Há histórias que me fazem perder definitivamente a esperança no futuro do país que um dia deixaremos aos nossos filhos. Esta conta-se em poucas palavras.
Há cerca de três semanas, vários jornais de âmbito nacional publicaram uma má notícia sobre a ULS da Guarda. No concreto, o presidente da instituição, Vasco Lino, foi condenado em 2010 e em 2011 por crimes de abuso de confiança fiscal. Posteriormente, aquando da sua nomeação política para o cargo, ocultou esse registo criminal ao próprio ministro da Saúde, Paulo Macedo.
O processo de nomeação de Vasco Lino foi, nos termos da lei, submetido ao crivo da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, CRESAP, que nada detetou. Agora percebe-se porquê. Vasco Lino confessou a um dos jornais que “não referi as condenações à CRESAP por achar que não eram relevantes”.
Para dar um ar mais asqueroso à coisa, o ministério da Saúde reagiu às notícias em causa afirmando que não tencionava demitir Vasco Lino por se tratar de um “assunto que transitou da CRESAP” (Correio da Manhã), com o facto de a nomeação do gestor ter passado “pelo crivo da CRESAP, que não detetou qualquer impedimento” (Jornal de Notícias), ou com o facto de ter simplesmente validado “o parecer da CRESAP” (Público). Ou seja, lavou as mãos como Pilatos.
Dos restantes membros do conselho de administração da ULS, nem uma palavra. Tanto quanto parece, todos eles convivem bem com alguém que foi um dia condenado por abuso de confiança e que tudo fez para o esconder, o que diz tudo sobre a forma como encaram estas coisas. Como estas coisas se resumem a uma questão de vergonha, ou de falta dela, está explicada a passividade de tal gente. Com efeito, parece que a única confiança que interessa aqui é de facto a confiança político-partidária…
Do PSD local, sempre expedito em acusações aos muitos anos de perversões socialistas à frente da autarquia, apenas emergiu um silêncio que fala por si.
Mas não esqueçamos o PS, que pela boca de José Albano afirmou, aquando da vinda de Vasco Lino para a Guarda, confessar-se “deveras atónito e surpreendido” pelo facto de este ter sido citado num anúncio do Tribunal da Covilhã como administrador de uma empresa declarada insolvente. Agora, perante isto, nada disse. É só coerência!
Claro que neste contexto já não me espanta que o ministro da Saúde mantenha a confiança política num cadastrado que não confiou nele para lhe contar o que tinha feito. Nem me espanta que os crimes do cadastrado, sendo de natureza fiscal, sejam agora desvalorizados por um ministro que até já foi diretor-geral dos Impostos!
Também não me surpreende que os jornais aqui da terra tenham passado completamente ao lado deste tema. Noticiaram, com chamadas à primeira página, a integração de 10 enfermeiros precários na ULS da Guarda. Mas sobre os crimes de Vasco Lino, nada! Nos blogues locais, sempre pródigos em coscuvilhices e afins, também não vislumbrei qualquer abordagem ao assunto. Vai bem a nossa cidadania.
Por isso também já não me espanta que Vasco Lino, para chegar ao “perdoa-me”, tenha esgrimido o argumento de que “já paguei a minha dívida” e “isto não coloca em causa a minha nomeação”. Ou que “fui julgado, condenado, cumpri a pena e estou de consciência tranquila. Não posso ficar com o estigma para o resto da vida”.
Esta teoria faz-me lembrar a do pedófilo que, tendo cumprido pena, se considera habilitado a gerir o infantário. À moda dos pecados que se limpam com indulgências.
O Dr. Vasco Lino não é pedófilo. O que me espanta mesmo é que seja lá dos lados da Covilhã. E se a Covilhã, terra onde muita gente julga ser melhor do que os outros, é isto que tem para nos mandar, então estamos conversados. Alguém há-de andar a estudar uma maneira de tramar o nosso hospital à custa do da terra de Vasco Lino. Ou não?
(Artigo publicado no jornal O Interior - 11 de Dezembro 2013)