Hoje, em nome de uma
questão que releva para os interesses da Guarda, vou falar-vos de democracia.
Mas antes, permitam-me, direi que há uma grande diferença entre democracia
representativa e participativa. E entre culpa e castigo.
Em nome da primeira, a
democracia representativa, o distrito da Guarda dispõe na Assembleia da
República de 4 deputados. Relativamente à segunda, a democracia participativa,
ela vale aquilo que os cidadãos estejam dispostos a fazer. O que ultimamente
tem sido pouco.
Vem tudo isto a
propósito do recente chumbo de uma proposta levada a plenário do Parlamento que
visava a modernização e reabertura do troço da linha da Beira Baixa, entre a
Guarda e a Covilhã.
Quando todos pensavam
que o sentido do voto dos deputados do distrito da Guarda, e quiçá do distrito
de Castelo Branco, iria no sentido da defesa dos interesses da região, eis que
mandaram às urtigas tais propósitos e se abstiveram. Isso mesmo: abstiveram-se.
A abstenção num caso
destes é, para mim, um ato de cobardia. E esse ato só é possível por esses
deputados saberem que nas próximas eleições a sua máquina partidária irá para o
terreno tentar fazer esquecer episódios destes e conquistar novamente os votos de
que tanto precisam.
Raros
são os casos de deputados que, desobedecendo aos ditames partidários, pensam
pela sua própria cabeça, sujeitando-se depois às consequências da sua isenção e
integridade. Até porque sabem que nesta democracia representativa há disciplina
e há disciplinadores.
Esta abstenção beneficia
as empresas monopolistas de transportes rodoviários e as concessionárias das
novas autoestradas. E prejudica as populações que os elegeram. É aquilo que em
linguagem corrente se costuma chamar de “partidocracia”. Uns votam, mas outros
ganham.
Estas políticas não são
para bem dos portugueses. E muito menos dos portugueses do interior. Elas
beneficiam apenas os interesses de determinados grupos económicos. Tais como
outras que atingem igualmente o interior, como o encerramento injustificado de
serviços de saúde, tribunais e repartições de finanças em muitas localidades
onde são tão necessários.
A verdade é que o
interior não tem peso político à escala nacional. Os seus votos contam muito
pouco. Valem sobretudo para o jogo da criação de lugares e de empregos para os
apaniguados locais dos partidos.
Se dúvidas houver,
digam-me só quais as reações de Álvaro Amaro ou de outros responsáveis
políticos a esta bizarra opção parlamentar.
Assim percebe-se porque
é que a linha da Beira Baixa tem vindo a perder capacidade de mobilidade de
produtos e de intervenção económica.
Primeiro, em 2009, à
custa do argumento da suspensão da circulação ferroviária para obras de
renovação no troço entre a Covilhã e a Guarda. Agora, com esta inacreditável
abstenção dos nossos deputados, apesar do investimento que entretanto foi
realizado em pontes, túneis e em dez quilómetros de linha só para inglês ver e
ganhar tempo.
Dito de outro modo, a
ligação ferroviária Guarda-Covilhã está irremediavelmente condenada. É mais um
prego no caixão do interior.
Camões dizia que fracos
reis tornam fraca a forte gente. Mas Camões, que andou lá pelo oriente,
conhecia também a velha máxima confuciana segundo a qual o homem superior
atribui a culpa a si próprio, enquanto o homem comum a atribui aos outros. Por
isso já não sei se por aqui são só os reis que são fracos, ou se afinal é toda
a gente. É que se há culpa, aqui pelo interior, ela assenta cada vez mais no nosso
consentimento em relação às ações dos nossos representantes. Com muita vergonha
minha, reconheço, que essa por enquanto ainda não ma tiraram.
Paz no mundo aos homens
de boa vontade é o que vos desejo, sinceramente.
(Crónica na Rádio F - 23 de Dezembro de 2013)