Os últimos dias da suicidária politiqueira portuguesa tiveram o condão de me trazer à memória os clarividentes ensinamentos de dois dos mais icónicos autores morais da revolução francesa. Voltaire costumava dizer que embora o suicídio não seja sempre uma loucura, em geral não é num acesso de razão que nos matamos. Diderot, bem mais cínico, chamava a atenção para o facto de serem tantos os malvados neste mundo que nem vale a pena reter aqueles a quem apetece sair dele.
Já muito se escreveu e disse sobre a demissão de Paulo Portas, pelo que tentarei evitar repetir alguém. Mas sempre direi que se quisesse escrever um argumento para o filme a que assistimos na última semana ficaria eternamente dividido entre o modelo de uma tragédia à moda antiga ou de uma comédia à la carte, mas com pouca graça. O que mais me aturdiu foi a total falta de vergonha desta gente. De «demissão irrevogável» a «não abandono o país», ouvi de tudo. Pena foi que se a primeira premissa se revelou totalmente falsa, o mesmo não tivesse sucedido também com a segunda…
Após a demissão de Gaspar, consumada com farpas a Portas e a Passos Coelho, recomendava o bom senso que se não atirasse mais lenha para a fogueira. O facto de ter sucedido exatamente o contrário revela a pouca inteligência e a fraqueza intrínseca da coligação que governa o país. O que não augura nada de bom para o futuro. Nenhum dos atores principais desta tragicomédia está isento de culpas. Passos Coelho resolveu nomear para o lugar de Gaspar uma pessoa enredada na polémica dos “swaps”, quando as ondas de choque da demissão do seu super-ministro ainda se faziam sentir. Claro que como o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita, logo se soube da nomeação do marido de Maria Luis Albuquerque para um cargo de assessor na EDP, empresa cujo processo de privatização havia recebido a supervisão da esposa. Como as coincidências em casos destes são tão raras como a virgindade num bordel, o marido da novel ministra teve de se demitir imediatamente para salvar a pouca honra que ainda restava à estafada família social-democrata.
Mas Portas conseguiu fazer ainda pior. Sem dar cavaco ao partido, e muito menos a Cavaco, anunciou uma demissão que viria a tornar-se numa patética e descarada negociata pela distribuição de cadeiras do poder. Foram-se os princípios, mas ficaram os tachos. E, já agora, também a Maria Luís, que foi, afinal, a causa da birra do menino…
No meio de tudo isto saltou à vista a agonia do regime. O que se pode dizer de um Presidente da República a dar posse a uma ministra meia hora depois de anunciada a demissão do líder de um dos dois partidos que sustentava o governo? Foi um pouco como aquela cena do Titanic a afundar-se mas com a banda a tocar, como se nada fosse. O cenário foi composto com a ajuda dos ministros do CDS-PP, que simultaneamente não compareceram à cerimónia da tomada de posse da substituta de Gaspar, mas também não ousaram demitir-se.
No fim ficou um amargo de boca para toda a gente.
Para a esquerda, porque acreditou que era desta que o governo caía. Para o PS, porque viu o poder fugir-lhe pelo ralo do cano. Para o CDS-PP, porque teve de engolir mais uma garotice de Portas em nome de eleições que não deseja. Para o PSD, porque vai ter de explicar às bases como foi possível a OPA ao partido. Para Cavaco, porque começa a perceber que, afinal, aquela coisa do “palhaço” é capaz de não ser só para ele. E, finalmente, para o povo, porque compreendeu, de uma vez por todas, que o manicómio do inferno é mesmo aqui na terra.
Se a muitos pareceu, como se viu, que as mentes brilhantes que nos governam estavam à beira do suicídio político, a cruel realidade que se seguiu liquidou qualquer ilusão de esperança. É que pelos vistos, nos paradoxos da política portuguesa, o suicídio apenas demonstra que na vida existem males maiores do que a morte. Lá diz o povo, quem não tem vergonha, todo o mundo é seu…
Crónica publicada no jornal O Interior, dia 11 de julho 2013.