Comemorar o 25 de Abril, neste ano de 2007, é recordar Zeca Afonso.
Como autor de Grândola Vila Morena, senha do Movimento das Forças Armadas, mas de igual modo na sua dimensão de participação cívica, de figura impar da canção popular portuguesa e da história de todo o Portugal.
Um homem que sempre dispensou as honrarias e benesses do poder, que se opôs àqueles que se serviram e subverteram os ideais de Abril, que foi solidário, porque cantou a fraternidade, a igualdade, a revolução. E porque fez acreditar que Grândola ainda é possível.
Comemorar o 25 de Abril hoje, é ouvir a música do Zeca, na plenitude das novas sonoridades que como poucos soube desenvolver e inovar, conjugadas com a procura incessante das verdadeiras raízes culturais do Povo Português.
Mas, na obra do Zeca a dimensão musical não fica apenas confinada à dimensão lusa. Procurou novas sonoridades em África e no Brasil, criando pontes entre as culturas dos vários povos.
Mas Zeca também foi professor, quando o deixaram.
«Apresentava-se timidamente e omitia a actividade no mundo cantigas. Era um professor excepcional. Incitava-nos à investigação e a questionar tudo, desde os manuais a ele mesmo. Retive para sempre uma frase:” Não estou aqui para impingir, mas para insistir e resistir, convosco de preferência”.
«Queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutir-lhes o espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais.».
São palavras de um aluno do Zeca Afonso.
São as dele como são as nossas.
Hoje como ontem as palavras do Zeca aí estão, com a mesma acuidade, o da denúncia das injustiças, dos oportunistas e das falsas promessas.
Lembrar que o pintor cantado na canção onde a morte saiu a rua, não era uma figura de ficção, chamava-se José Dias Coelho e foi assassinado pela polícia política no princípio da década de 60 do século passado; que a Catarina que ceifeiras viram em vidae que Baleizão viu morrer, não era produto da imaginação do poeta mas uma figura real, assassinada durante uma jornada de luta por melhores condições de vida nos campos; que os Vampiros são os mordomos do universo todo, senhores à força, mandadores sem lei, enchem as tulhas, bebem vinho novo, dançam a ronda, no pinhal do rei; ou a evocação da odisseia dos forçados actuais, partindo em modernas naus catrinetas, como os Mendes Pintos de outras épocas, a caminho dum destino que na História se repete como um dobre de finados que os emigrantes vieram cedo, mortos de cansaço, adeus amigos, não voltamos cá, o mar é tão grande, e o mundo é tão largo, Maria Bonita, onde vamos morar; ou com um Gastão um tipo "bom cidadão". Ele reúne em si todas as qualidades do oportunista, de quem se adapta ao sistema vigente para obter benefícios individuais, sem se preocupar com o sofrimento das outras pessoas. Ele não apoia a Igreja por ser um católico devoto, nem tolera os abusos do seu patrão por ser um empregado dedicado. Todos os seus actos resultam de cálculos muito precisos. Gastão era perfeito, Conduzido por seu dono, Em sonolências afeito, Às picadas dos mosquitos, Era Gastão milionário, Vivia em tapetes raros, Se lhe viravam as costas, Chamava logo a polícia, Gastão era deste jeito, Fazia provas reais, Gastão era um parapeito, De Papas e Cardeais; ou do primo convexo, Fadado para amnistias, Em torno dele nadam, Plantas carnívoras, Agitando como plumas, As cordas violáceas, O meu primo dormita, Glu glu entre palmeiras, Suspenso numa rede, De suor e preguiça, Corvos bicam-lhe os pés, Trincam-lhe os calos, Enquanto a tarde jaz, E a mão suspende, O gesto de acordá-lo, E a terra treme, Mas de nada o meu primo se apercebe; ou nos eunucos que se devoram a si mesmos, Não mudam de uniforme, são venais, E quando os mais são feitos em torresmos, Defendem os tiranos contra os pais, Em tudo são verdugos mais ou menos, No jardim dos haréns os principais, E quando os mais são feitos em torresmos, Não matam os tiranos pedem mais, Em vénias malabares à luz do dia, Lambuzam da saliva os maiorais, E quando os mais são feitos em fatias, Não matam os tiranos pedem mais; ou n’ O país vai de carrinho, Vai de carrinho o país, Os falcões das avenidas, São os meninos nazis; ou na denúnca das falsas promessas, A palavra socialismo, Como está hoje mudada, De colarinhos á texas, Sempre bem aperaltada.
Neste mês de Abril que tanto lhe pertence, este 25 de Abril é o tempo de recordar o Zeca.
Zeca Afonso gravou, por mérito próprio, o seu nome na História de Portugal, é um dos que «por obras valorosas, da lei da morte se vão libertando».
Nas palavras de Natália Correia a homenagem ao génio que foi e será sempre Zeca Afonso:
É de murta e de mar a tua voz
Como autor de Grândola Vila Morena, senha do Movimento das Forças Armadas, mas de igual modo na sua dimensão de participação cívica, de figura impar da canção popular portuguesa e da história de todo o Portugal.
Um homem que sempre dispensou as honrarias e benesses do poder, que se opôs àqueles que se serviram e subverteram os ideais de Abril, que foi solidário, porque cantou a fraternidade, a igualdade, a revolução. E porque fez acreditar que Grândola ainda é possível.
Comemorar o 25 de Abril hoje, é ouvir a música do Zeca, na plenitude das novas sonoridades que como poucos soube desenvolver e inovar, conjugadas com a procura incessante das verdadeiras raízes culturais do Povo Português.
Mas, na obra do Zeca a dimensão musical não fica apenas confinada à dimensão lusa. Procurou novas sonoridades em África e no Brasil, criando pontes entre as culturas dos vários povos.
Mas Zeca também foi professor, quando o deixaram.
«Apresentava-se timidamente e omitia a actividade no mundo cantigas. Era um professor excepcional. Incitava-nos à investigação e a questionar tudo, desde os manuais a ele mesmo. Retive para sempre uma frase:” Não estou aqui para impingir, mas para insistir e resistir, convosco de preferência”.
«Queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutir-lhes o espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais.».
São palavras de um aluno do Zeca Afonso.
São as dele como são as nossas.
Hoje como ontem as palavras do Zeca aí estão, com a mesma acuidade, o da denúncia das injustiças, dos oportunistas e das falsas promessas.
Lembrar que o pintor cantado na canção onde a morte saiu a rua, não era uma figura de ficção, chamava-se José Dias Coelho e foi assassinado pela polícia política no princípio da década de 60 do século passado; que a Catarina que ceifeiras viram em vidae que Baleizão viu morrer, não era produto da imaginação do poeta mas uma figura real, assassinada durante uma jornada de luta por melhores condições de vida nos campos; que os Vampiros são os mordomos do universo todo, senhores à força, mandadores sem lei, enchem as tulhas, bebem vinho novo, dançam a ronda, no pinhal do rei; ou a evocação da odisseia dos forçados actuais, partindo em modernas naus catrinetas, como os Mendes Pintos de outras épocas, a caminho dum destino que na História se repete como um dobre de finados que os emigrantes vieram cedo, mortos de cansaço, adeus amigos, não voltamos cá, o mar é tão grande, e o mundo é tão largo, Maria Bonita, onde vamos morar; ou com um Gastão um tipo "bom cidadão". Ele reúne em si todas as qualidades do oportunista, de quem se adapta ao sistema vigente para obter benefícios individuais, sem se preocupar com o sofrimento das outras pessoas. Ele não apoia a Igreja por ser um católico devoto, nem tolera os abusos do seu patrão por ser um empregado dedicado. Todos os seus actos resultam de cálculos muito precisos. Gastão era perfeito, Conduzido por seu dono, Em sonolências afeito, Às picadas dos mosquitos, Era Gastão milionário, Vivia em tapetes raros, Se lhe viravam as costas, Chamava logo a polícia, Gastão era deste jeito, Fazia provas reais, Gastão era um parapeito, De Papas e Cardeais; ou do primo convexo, Fadado para amnistias, Em torno dele nadam, Plantas carnívoras, Agitando como plumas, As cordas violáceas, O meu primo dormita, Glu glu entre palmeiras, Suspenso numa rede, De suor e preguiça, Corvos bicam-lhe os pés, Trincam-lhe os calos, Enquanto a tarde jaz, E a mão suspende, O gesto de acordá-lo, E a terra treme, Mas de nada o meu primo se apercebe; ou nos eunucos que se devoram a si mesmos, Não mudam de uniforme, são venais, E quando os mais são feitos em torresmos, Defendem os tiranos contra os pais, Em tudo são verdugos mais ou menos, No jardim dos haréns os principais, E quando os mais são feitos em torresmos, Não matam os tiranos pedem mais, Em vénias malabares à luz do dia, Lambuzam da saliva os maiorais, E quando os mais são feitos em fatias, Não matam os tiranos pedem mais; ou n’ O país vai de carrinho, Vai de carrinho o país, Os falcões das avenidas, São os meninos nazis; ou na denúnca das falsas promessas, A palavra socialismo, Como está hoje mudada, De colarinhos á texas, Sempre bem aperaltada.
Neste mês de Abril que tanto lhe pertence, este 25 de Abril é o tempo de recordar o Zeca.
Zeca Afonso gravou, por mérito próprio, o seu nome na História de Portugal, é um dos que «por obras valorosas, da lei da morte se vão libertando».
Nas palavras de Natália Correia a homenagem ao génio que foi e será sempre Zeca Afonso:
É de murta e de mar a tua voz
Com algas de canção estrangulada.
Aberta a concha da trova mal sofrida
Saíste como sai a madrugada
Da noite, virginal e humedecida.
É de vinho e de pinho a tua voz
Com pranto de insofríveis flores banidas.
Mas é pela tua garganta que soltamos
As eriçadas aves proibidas
Que no muro do medo desenhamos.