Segundo um jornal diário [link], as escutas do processo Apito Dourado não revelam apenas esquemas de eventual corrupção no futebol.
Mais do que isso, no caso concreto de um dos principais visados, Valentim Loureiro, são demonstrativas da existência de uma complexa teia de cumplicidades e troca de favores envolvendo o futebol e a política ao mais alto nível da governação.
Isto tanto nas questões mais insignificantes, como em grandes negócios.
O jornal revela o teor de exemplos de várias conversas transcritas por serem consideradas, pela Polícia Judiciária, Ministério Público e juíza de instrução, como relevantes.
Algumas das escutas, como as de José Luís Arnaut, ex-ministro-adjunto de Durão Barroso, foram incorporadas em processos (caso Sousa Cintra) autónomos e já arquivados.
Outras conversas, nomeadamente com Mesquita Machado, autarca de Braga, não tiveram aparentemente qualquer sequência.
Tanto o major como os restantes arguidos recorreram para a Relação do Porto com o objectivo de anular este núcleo fundamental de provas.
Ministro-adjunto do primeiro-ministro Durão Barroso, José Luís Arnaut teve em Dezembro de 2003 uma conversa com Valentim sobre um alegado empréstimo da Caixa Geral de Depósitos a Sousa Cintra, ex-líder do Sporting.
"Primeiro que tudo, tenho muita estima por ele, segundo... não fiz mais do que a minha obrigação... em terceiro lugar, era um pedido seu, pronto!", disse Arnaut ao major.
Esta escuta fez parte de uma certidão que envolvia Cintra e foi arquivada.
Valentim discutiu com o líder do Guimarães, Pimenta Machado, sobre a forma como aquele clube conseguiu nada gastar nas obras do estádio no Euro-2004.
Na altura, a polémica teve a ver com o facto de o estádio ter sido vendido ao clube mas estar registado em nome da autarquia. "O que a Câmara fez, na pureza das coisas, é uma burla, isso é uma burla, é indiscutível! Agora vou ser eu, que fui o beneficiado, a denunciar isso?", perguntou ao major.
O autarca de Braga falava com Valentim sobre os árbitros do clube local. "Sim, mas convinha era um homem... que fosse sério, pá...", disse Mesquita Machado, em Março de 2004. "Eu vou falar ao gajo de que você me falou e tal, preocupado...", anuiu o major.
O político fez ainda referência a pagamentos do Nacional ao Amadora para ganhar ao Braga. "Ó pá, se o dinheiro ganhasse, os mancos já eram campeões", retorquiu-lhe o major.
Secretário de Estado da Administração Local e dirigente do PSD, Miguel Relvas era frequente alvo de pedidos. Há conversas sobre o caso de uma moradia ilegal de Sousa Cintra; para aprovar um plano de reequilíbrio de finanças no Marco; e sobre uma ETAR em Gondomar, para a qual um ministro prometera em público um financiamento irregular. "Atenção que eu só pago 10%! [...] Eu quero lá saber da lei! Contorna a lei!", diz o major. "Mas eu não posso contornar a lei", retorquiu Relvas.
Secretário de Estado do Desporto e hoje presidente da Liga, Hermínio Loureiro foi abordado por Valentim para apressar um parecer do Conselho Superior do Desporto a favor de alterar o figurino das ligas. O major teve receio de pressões sobre Durão e Arnaut. "É pá, eu só vou ter de falar com o ministro, mais nada, porque se você me está a dizer isso é porque pode às vezes alguém lhe ter dito alguma coisa, mas a gente esta semana trata disso, esteja descansado".
Secretário de Estado das Obras Públicas e ex-vereador da Câmara de Gondomar, Jorge Costa conversou com Valentim sobre a adjudicação da EN 222, em Gaia.
Ao telemóvel do major, o ex-governante falou ainda com o filho, João Loureiro, sobre a hipótese de o Boavista ficar com os terrenos do INATEL, do Estado, com vista a, com a ajuda da autarquia, vendê-los para pagar o novo Estádio do Bessa.
Juiz no Supremo, António Mortágua teve a 13 de Fevereiro de 2004 uma longa conversa sobre o clima de suspeição no futebol.
Valentim queixou-se de os jornais empolarem declarações de Maria José Morgado numa palestra. "Pois, ela nunca concretiza! Eu... eu ouvi coisas piores do marido da gaja [Saldanha Sanches], na televisão quando falou de si (...e do compadrio)! [...] os grandes responsáveis pela corrupção [...] que eram dois nomes Gilberto Madail e Valentim Loureiro!", disse o juiz.
Presidente da Câmara do Marco falou com Valentim sobre o célebre episódio da invasão de campo, durante o jogo Marco-Santa Clara, a 29 de Fevereiro de 2004.
O estádio ficou interdito e havia que escolher campo alternativo. "Digo eu, que é... distribuído hoje às duas e qualquer coisa, era preciso dar um toque ao Cunha Leal... Eu queria jogar no Penafiel!...", disse Avelino Ferreira Torres. "Ah, pronto! É onde quiser!...", respondeu o major.
Face a tudo quanto se passou e passa(?) pergunta-se, qual o destino do processo?
É que já lá vai muito tempo e.........NADA!
Só mesmo intenções e, de intenções em intenções uns quantos vão-se «governando».
Até quando?