terça-feira, maio 19, 2015

Ponto de vista


Deu recentemente à estampa um estudo encomendado pela Presidência da República e realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sobre os jovens em Portugal. Os resultados desse estudo só podem espantar quem não conhece a realidade.

Desde logo, cerca de 70% dos jovens entre os 15 e 24 anos encaram a hipótese de emigrar. E 57% dos jovens na mesma faixa etária não se interessam “nada” por política. Quando colocados perante a afirmação “daqui a dois anos, a crise terá terminado e a situação do emprego em Portugal será melhor do que hoje”, a maioria dos jovens discordou, variando essa discordância entre 61% nos mais novos e 67% nos mais velhos.

Suspeito que as referências desta juventude em relação à política se coligam inevitavelmente com os casos de aldrabice, de corrupção e de ascensão meteórica na política que têm invadido o nosso quotidiano. E suspeito que essas referências têm tudo a ver com os resultados deste estudo.

Num tempo em que se dedicam hossanas a gatunos e a gente que nunca serviria de exemplo num país minimamente equilibrado, é mais fácil entender esta atitude dos nossos jovens. Sobretudo se atendermos ao facto de, pelo meio, a proporção de jovens sem trabalho há mais de um ano variar entre os 38% nos mais novos e os 53% nos mais velhos.

Este conjunto de dados, profundamente elucidativo e inquietante, reflete a falta de confiança num futuro por cá e faz emergir a indisponibilidade da juventude para acreditar num sistema que se recusa a promover mudanças com resultados palpáveis ao nível dos desequilíbrios sociais que se vão acentuando.

Ao contrário da pífia mensagem política que o governo tentou fazer passar, a emigração jovem não ocorre por opção livre em busca de um futuro melhor, mas sim por uma desesperada necessidade de sobrevivência. Essa emigração não é um desígnio em si mesmo, é uma fatalidade incontornável. Representa um drama para as famílias e acrescenta débitos sociais a um futuro nacional já de si comprometido por diversas e más razões.

No contexto de uma taxa de natalidade quase idêntica à dos dinossauros que pereceram há 65 milhões de anos, a emigração jovem atual, somada a um desemprego claramente inibidor de circunstâncias propiciadoras à constituição de uma família, é uma faca apontada ao coração da Segurança Social e da estrutura sociológica e identitária de Portugal daqui a 20 anos.

Talvez os jovens se tenham apercebido, nem que seja de forma subconsciente, que o sistema político atualmente instalado apenas olha para os seus problemas numa perspetiva de curto prazo. Quando muito, tudo é equacionado a pensar nas eleições que estiverem mais próximas. A partidocracia não consegue lidar com problemas que estão para o futuro do nosso país como a tectónica de placas está para a geografia. Há coisas que acontecem lentamente, muito lentamente, mas cujos impactos são implacáveis. As variações da nossa natalidade, em queda permanente há décadas, são uma delas. Para os políticos, é como se não acontecessem.

O sistema partidocrático atual é incapaz de sacrificar hoje o que quer que seja, em nome de um bem comum daqui a 20 anos. Pelo contrário, sacrificará sem hesitações o bem comum do futuro a favor de um qualquer ganho político imediato e fugaz. Esta é a fraqueza da nossa democracia e não é preciso termos grande cultura política para nos apercebermos disto.

Desenganem-se aqueles que pensam que os jovens se afastam da política por desconhecimento ou por ignorância. Isso seria confundir causa com consequência. Os jovens afastam-se da política porque a veem como a mãe de todos os males que hoje os afetam. E isso, em termos históricos, é como se a seiva de uma árvore se recusasse a alimentar as raízes da mesma.

Não sei se Cavaco Silva algum dia perceberá as enormes responsabilidades que tem neste estado de coisas. E que não é com estudos destes que se lava a consciência. Se ele a tiver claro. Tenham um bom dia.
 
(Crónica na rádio F - Ponto de Vista - 18 de Maio de 2015)