A corrupção é uma virose que se propaga pela sociedade portuguesa a uma velocidade extrema e que só não atinge os que não têm quaisquer poderes. Esta virose conspurca o ambiente social e traz consigo a ascensão do populismo e a extrema-direita. Os acontecimentos recentes enchem as páginas dos jornais. E nem é preciso ir ao tempo da monarquia, da implantação da República, ou o da vigência da ditadura salazarista, ou marcelista para encontrar casos de corrupção em Portugal. Seria demasiado fastidioso. A corrupção atravessa toda a nossa História. Mas os casos recentes mostram que nada mudou ao longo dos séculos. Os eventos dados a conhecer recentemente evidenciam, curiosamente, a capa do preceito jurídico da “presunção de inocência” que tudo procura encobrir associado ao senso comum de “presumível arguido” que são por si formas mais ou menos ardilosas de esconder os factos. A corrupção, o tráfico de influências, a prevaricação, o peculato doloso só para dar alguns exemplos do que por aí vão a acontecer fazem fartar uma certa vilanagem. E a notícia de mais e mais casos tem uma razão simples: a corrupção está generalizada. Lembrar que Portugal integrava, no final de 2019, uma lista de 15 países com baixo nível de cumprimento das recomendações anticorrupção dirigidas a deputados, juízes e procuradores, segundo o relatório GRECO, organismo do Conselho da Europa contra a corrupção. Desde então e até à presente data nada foi feito de substancial, apenas e tão-só medidas paliativas, tipo, aspirina que procuram travar a virose. Só que o vírus continua a corroer o corpo social, retardando a cura efectiva e prolongando o estado de sofrimento de milhões de portugueses. Sim, sofrimento, pois são milhões e milhões que faltam para salvar os serviços públicos. Tudo é apresentado aos olhos dos cidadãos incautos como se alguma coisa estivesse a ser feita, mas tudo, continua na mesma. Recordo-me da obra genial de José Saramago, «Ensaio sobre a Lucidez», onde, a propósito de um processo eleitoral num país indeterminado, o nosso Nobel da Literatura, escreveu e passo a citar: «contados os votos, verifica-se que na capital cerca de 70% dos eleitores votaram em branco. Repetidas as eleições no domingo seguinte, o número de votos em branco ultrapassa os 80%. Receoso e desconfiado, o governo, em vez de se interrogar sobre os motivos que terão os eleitores para votar em branco, decide desencadear uma vasta operação policial para descobrir qual o foco infecioso que está a minar a sua base política e eliminá-lo. E é assim que se desencadeia um processo de rutura violenta entre o poder político e o povo, cujos interesses aquele deve supostamente servir e não afrontar». Fim de citação. Para alguns a corrupção é boa para os negócios, sobretudo para os agentes influenciadores, o tal lobismo que uns procuram introduzir na actividade política de forma clara e sustentada juridicamente. Ou seja, tornar a corrupção num processo legal e legalizado. A corrupção nada mais é do que uma forma de autoritarismo, dado que não promove o interesse público, não é isento, pois promove vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiros, das funções que exerce, não é imparcial, pois não desempenha as funções com equidistância relativamente aos interesses com que se seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos e omite o dever de informação – que consiste em prestar aos cidadãos, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada. De modo geral, ser corrupto serve para obter dinheiro indevidamente, mas também para obter qualquer tipo de vantagem nas mais variadas ocasiões, maior celeridade nos processos administrativos, tratamento privilegiado em determinada área, etc. É a ressurreição, pontual ou mais generalizada, daquilo que mais não é do que um privilégio ilegítimo em detrimento do resto. E o resto somos nós, todos os que não têm o privilégio de sermos amigos do «Deus-Político» aquele que tudo decide, ouvindo apenas os seus apóstolos. Somos nós, todos os que cumprem escrupulosamente as normas legais e regulamentares aplicáveis. Resta-nos pensar se ainda estamos lúcidos ou cegos! Recordar que em Dezembro de 2021 foi criado o Mecanismo Nacional Anti corrupção que deveria estar a funcionar seis meses depois, mas até agora continua a ser nada apenas por falta de vontade política. Os interesses para o não funcionamento são pertença dos poderes instalados, obviamente. O problema é que quando a corrupção e o sentimento de corrupção generalizam-se, caímos em situações de desprezo e descrença na política e dá-se a ascensão do extremismo de direita com o apoio declarado de certos meios de informação. É que como afirmou o filósofo Georg Lukács, “O fundamento da manipulação é contornar com indiferença todas as questões autênticas”.
Tenham uma excelente semana.
(Crónica Rádio F - 29 Janeiro 2024)