quarta-feira, fevereiro 21, 2024

Ponto de vista

 Na semana passada, neste mesmo espaço, falámos do brutal incêndio que ocorreu em Agosto de 2022, na Serra da Estrela, e do Programa de revitalização da área atingida, agora aprovado, ao fim de quase dois anos, pelo governo em gestão do Partido Socialista, chefiado por António Costa.
Eis que ainda não refeitos da ambiguidade do programa, falta de legitimidade do mesmo face a um governo de gestão para o cumprimento de um programa que vai muito além da mera formalidade de gestão, eis que o presidente da câmara da Guarda apresenta em reunião de executivo uma proposta de obtenção de um empréstimo de mais de 8 milhões e 700 mil euros a pagar em vinte anos.
Ou seja, endivida-se a câmara muito para além da vigência do presente executivo e hipoteca-se a vida das gerações futuras, tudo em nome da falta de liquidez da Câmara da Guarda.
Como disse um dia Voltaire, o escritor, historiador e filósofo iluminista francês: “A política é a arte de mentir a propósito”.
Ora, a propósito, e sempre o propósito de Voltaire, lembrar que a falta de liquidez actual da câmara da Guarda não é acto virgem.
Lembrar, só a título de exemplo, que em 2005, na gestão camarária de maioria socialista na autarquia, a câmara se encontrava com falta de liquidez, chegando ao ponto de não puder honrar os compromissos assumidos com as diversas Freguesias, as associações do concelho e a fornecedores. E pior, muito pior, nem sequer puder recorrer à banca.
É só ter memória.
A história repete-se, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa, como disse Karl Marx.
Ora aqui chegados algumas questões se levantam e para as quais o cidadão guardense merecia e tem direito a obter respostas convincentes e assertivas. Importa lembrar principalmente aos decisores políticos a obrigatoriedade do Estado, de todo o Estado, quer o poder central como o local em prestar contas.
Ou seja, considera-se uma das funções cruciais do Estado, todo ele, a responsabilidade em relatar a gestão de recursos e dinheiros públicos.
Segundo palavras do presidente da câmara, Sérgio Costa, o empréstimo astronómico será dividido em duas partes. Uma no valor de 1 150 milhões de euros para a aquisição de 5 autocarros. Dizem-nos que servirão os transportes escolares. Mas pergunta-se. Não há transportes públicos no concelho? E não houve recentemente uma negociação para renovação do serviço? A contratualização do serviço foi mal concebida? A rede de transportes não é a mais conveniente? Respondam. Numa altura em que há escolas que desaparecem por morte natural, falta de população e outras encerram por imposição administrativa mais 5 autocarros para transportes escolares não será em demasia?
Depois a questão técnica da aquisição dos autocarros não por leasing, dada a morosidade do processo, mas optando o executivo camarário pelo empréstimo são razões que só na posse de todos os dados nos poderíamos pronunciar. Como tal não o vamos fazer. O que já comentamos é o problema de fundo deste empréstimo, a falta de liquidez da câmara da Guarda.
Sabe-se que da gerência anterior resultou um saldo positivo de mais de 6 milhões de euros que presumivelmente dariam para comprar os tais 5 autocarros. Onde está o saldo da conta de gerência anterior?
O presidente Sérgio Costa diz que foram gastos em Fundos Europeus. Se foi tal situação que provocou, tal gasto, contabilisticamente falando, o dinheiro tem de existir já que as despesas com cobertura dos Fundos Europeus são pagas após a sua execução e apresentação das respectivas facturas.
O que está a faltar? Expliquem.
A transparência tem de existir. Os cidadãos devem ser totalmente informados.
E, cantando e rindo, o empréstimo para aquisição dos cinco autocarros foi aprovado, com os votos do executivo em funções, apoiado pelo movimento “Pela Guarda” e com a abstenção dos vereadores do PSD e do PS!
A outra parte do empréstimo dizem que serve para assegurar a componente municipal nas freguesias na sequência dos incêndios e intempéries e para requalificar o Parque infantil do POLIS e para as obras do estaleiro municipal.
Se as obras de requalificação do parque infantil do POLIS e do estaleiro municipal afiguram-se de extrema importância, já os apoios às freguesias vítimas das intempéries e incêndios foram objecto de apoios governamentais. Foram insuficientes? Acreditamos que sim.
Mas critique-se com propósito as resoluções adoptadas e acima de tudo as opções dos gastos.
E ainda o propósito de Voltaire pergunta-se como pode uma oposição deixar a autarquia cair numa situação da falta de liquidez? A oposição, toda ela, é cúmplice na situação desastrosa em que a autarquia da Guarda vive. Relatórios devem ser sempre exigidos quer pela vereação, quer pela Assembleia Municipal, dado tratar-se do órgão fiscalizador por natureza. Mas em vez de se preocuparem com o importante, dão mais atenção ao acessório e à discussão de assuntos de interesse partidário. Sem que os munícipes lucrem alguma coisa com isso. Apoiar as freguesias não pode não deve ficar-se pela abstenção. Há que ser mais actuante e fiscalizador dos gastos supérfluos que se vão a verificar na gestão da câmara da Guarda.
A inépcia e inércia governativa do executivo, mas também de toda a oposição, é a causa próxima da situação que a câmara vive e que arrasta os munícipes para o pântano.
Há que ser interventivo em todas as situações.
Uma câmara a vegetar sem orçamento e a aprovar com apoio cúmplice da oposição um empréstimo desta ordem de grandeza é um desastre completo.
Mas onde fica a responsabilidade dos governantes e da oposição?
Por fim, falar em acto de contrição por parte do presidente da câmara da Guarda relativamente à abstenção do PS na aprovação deste empréstimo é sinal que muito em breve muitos sapos vão ser engolidos.
Será que vamos ter Nuno Santos em campanha eleitoral a ser recebido às portas da Câmara Municipal da Guarda como já aconteceu com António Costa? Nada nos espantaria.
É o tal propósito de Voltaire, “a arte de mentir”!
Tenham uma excelente semana.