Deram à estampa novos
estudos sobre a pobreza em Portugal, precisamente quando, no Parlamento, se
aprovava mais um orçamento no meio das agora denominadas “disfuncionalidades cognitivas permanentes”.
À margem do espetáculo
político, Manuel Carvas Guedes, responsável pela Sociedade de São Vicente de
São Paulo do Porto, que apoia mais de 13 mil famílias todos os anos, garante
que há inúmeras “Crianças que não tomam o
seu leite quando deviam tomar, não comem fruta, não comem carne e outros
alimentos que são essenciais para o seu desenvolvimento” e que há "muitas situações de jovens a meio dos seus
cursos superiores, em que os pais ficaram desempregados e não conseguem
continuar a pagar os estudos”.
Por seu lado, o Instituto
Nacional de Estatística informa secamente que uma em cada cinco pessoas em
Portugal é pobre. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento divulgado pelo
Instituto revela que o número de idosos que vivem em privação material aumentou
entre 2013 e 2014, atingindo um em cada quatro. Em 2013, último ano com dados
disponíveis e trabalhados, "a
proporção mais elevada de pessoas em privação material" encontrava-se no
grupo dos menores de 18 anos (27%), situação já observada em anos anteriores,
mas foi sobretudo a proporção de idosos em privação material a que mais cresceu
entre 2013 e 2014 (de 23% para 25%)".
Os dados do INE estabelecem
Portugal como o país mais desigual na Europa, com cerca de cinco milhões de
portugueses em risco de pobreza. Cerca de 70% das pessoas em risco de pobreza e
em privação material não têm capacidade financeira para realizar exames e
tratamentos médicos. Em 2014, 6% da população com 16 ou mais anos referiu que,
em pelo menos uma ocasião, necessitou de cuidados médicos e não os recebeu, e
19% necessitou de cuidados dentários e não os recebeu. A falta de
disponibilidade financeira foi a principal razão apontada para a não realização
dos exames e tratamentos médicos ou dentários necessários, o que atinge
particularmente as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.
Para que não se julgue
que subsiste um erro de perspetiva por parte do INE, Portugal foi, segundo o
Relatório da Crise da Cáritas Europa 2015, o país europeu em que mais
aumentou o risco de pobreza e de exclusão social em 2014, logo seguido pela
Grécia, batendo ainda Chipre, a Irlanda, a Itália, a Roménia e a Espanha neste campeonato
da desgraça. Esse risco subiu 2,1 pontos percentuais, para 27,5%, contra uma média
de 24,5% na UE.
Outro dado relevante é
que Portugal, apesar de toda a austeridade e de todos os sacrifícios pedidos,
tem a segunda maior dívida pública em comparação com o PIB (128%) logo a seguir
à Grécia (175%).
A Cáritas adverte ainda
que "um número significativo de
pessoas empregadas" não está abrangido pelas redes de segurança
normais, como as prestações de desemprego ou a assistência social, e que é
preciso assegurar de "uma vez por
todas e sem qualquer preconceito" um rendimento mínimo para todas as
pessoas que lhes permita "viver com
dignidade" e reduzir as desigualdades, "criando emprego a médio prazo". Para isto ser possível, a
riqueza gerada tem de ser distribuída "com
justiça" e têm de ser criadas condições para um "combate eficaz à evasão fiscal" e
para que haja "taxas justas e
equilibradas para todos os sectores da sociedade" e "um equilíbrio justo na repartição dos
sacrifícios", defendeu. O relatório baseia-se na combinação dos
números oficiais do Eurostat e dos institutos nacionais de estatística com a
informação recolhida "no terreno"
pelas Cáritas existentes nestes países, proporcionando "uma temperatura muito precisa da situação
socioeconómica da população", desde a classe média até aos mais
vulneráveis.
Face ao contraste entre
esta triste realidade e o resto, como diria qualquer simples homem do povo,
alguém que explique por favor aos nossos deputados que “na prática a teoria é outra”.
Muito bom dia a todos.
(Crónica Rádio F -28 de Novembro 2016)