REGRESSO AO LAR
Ai, há quantos anos que eu
parti chorando
Deste meu saudoso,
carinhoso lar!...
Foi há vinte?...há trinta?
Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me
estás fitando,
Canta-me cantigas para eu
me lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei
a volta à Vida...
Só achei enganos,
decepções, pesar...
Oh! a ingénua alma tão
desiludida!...
Minha velha ama, com a voz
dorida,
Canta-me cantigas de me
adormentar!...
Trago d'amargura o coração
desfeito...
Vê que fundas mágoas no
embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu
ninho estreito!...
Minha velha ama que me
deste o peito,
Canta-me cantigas para me
embalar!...
Pôs-me Deus outrora no
frouxel do ninho
Pedrarias d'astros, gemas
de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo
caminho!...
Minha velha ama, sou um
pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer
chorar!
Como antigamente, no
regaço amado,
(Venho morto, morto!...)
deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está
mudado!
Minha velha ama, como está
mudado!
Canta-lhe cantigas de
dormir, sonhar!...
Cante-me cantigas, manso,
muito manso...
Tristes, muito tristes,
como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver
se alcanço
Que a minh'alma durma,
tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve,
ma vier buscar!..
Guerra Junqueiro
(1850-1923)