Dizia
Napoleão que do sublime ao ridículo, só um passo é necessário. O tema da
crónica de hoje permite-me dizer que se não for um passo, uma pedalada também
serve. Vem isto a propósito de o Ministério da Educação e Ciência (MEC) ter
divulgado a sua intenção de incentivar os alunos a utilizarem a bicicleta nas
deslocações casa-escola-casa. Pretende ainda que as crianças e os jovens tenham
mais atividade física nos recreios - até com o recurso a jogos tradicionais -
para diminuir o impacto do número de horas que os alunos passam sentados nas
salas de aula.
Está
explicado! Muita gente, na qual me incluo, tem colocado sérias reservas à
política de encerramento de escolas, constituição de mega-agrupamentos e
deslocalização dos alunos. Percebe-se agora, finalmente, a gloriosa visão das
sucessivas equipas do Ministério da Educação e Ciência. Estica-se ao máximo a
distância entre a habitação dos alunos e a escola, põem-se os alunos a fazer o trajeto
de bicicleta, e com esta atlética solução combate-se o grave problema da
obesidade infantil.
A
capacidade visionária e ambiental do MEC é uma fonte inesgotável de
perplexidade. Já podemos antecipar as múltiplas ciclovias das nossas cidades e vilas,
bem como as cuidadas, largas, bem iluminadas e seguras bermas das nossas estradas
inundadas de bicicletas com crianças e adolescentes a caminho das escolas. O
que não se poupará em combustível para as famílias e em custos dos transportes
escolares para as autarquias! E, claro, que benefícios não tombarão sobre a
saúde dos mais novos!
Também
é bonito imaginar os amplos espaços de muitas das nossas escolas sem a enchente
própria da sobrelotação, ocupados por alegres grupos de crianças e adolescentes
envolvidos em saudáveis jogos tradicionais com a orientação e a colaboração dos
seus mestres e restantes funcionários. Vislumbro campeonatos de malha para os
mais tradicionais, corridas de sacos para os mais cinéticos, jogos de dardos
para os mais afoitos e campeonatos de pétanque
para os netos dos emigrantes. Que ideia mais interessante!
Só
não encaixa bem neste filme o pormenor de o Ministro Nuno Crato ter diminuído
em 2012 a carga horária de Educação Física no 3º ciclo e no Secundário. Vá-se
lá perceber o porquê de tamanha contradição…
No
entanto, e apesar desta deriva algo bipolar, a ideia não é totalmente
destituída de mérito. Desconfio até que, sempre em nome da saúde dos
destinatários, se lembrem um dia destes de combater o sedentarismo da 3.ª idade
com um programa do gênero “mais 5% de reforma para quem a for levantar de
bicicleta”. Ou do gênero “vá à farmácia de bicicleta e aumente a
comparticipação nos remédios”. Era uma forma de acabar com uns milhares de
passes sociais comparticipados pelo Estado e se poder argumentar a favor do
despedimento de mais uns quantos preguiçosos do Metro e da Carris.
Claro
que ficam por propor outras medidas igualmente revolucionárias e com não menor
impacto na nossa saúde… financeira.
Gostava
de ver os nossos deputados e ministros a irem de bicicleta para o trabalho. E
que os espaços agora dedicados ao estacionamento dos carros de toda aquela
gentinha, seja nos ministérios ou na Assembleia da República, fossem
transformados em espaços verdes onde as nossas crianças de todo o país, quando
visitassem em grupos escolares a suprema casa da Democracia ou os nobres
espaços da Governação, pudessem nos intervalos das visitas praticar alguma
ginástica como compensação por não poderem levar consigo as bicicletas. E se
não pudessem praticar ginástica, teriam sempre a possibilidade de praticar o
velhinho jogo da malha ou da pétanque…
Voltando ao ridículo, dizia Machado de Assis
que o ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da vida;
algumas fazem toda a navegação sem outra espécie de carregamento. Eu acho que
ali para os lados do Ministério da Educação e de Nuno Crato, algumas alminhas
conseguiram até nem sair do porto. Bom dia e boas pedaladas para todos.
(Crónica na rádio F - 29 de Junho 2015)