quarta-feira, setembro 18, 2013

A Esperança, o Sonho, a Desilusão e o Desespero

O país regressou do que se designa, eufemisticamente, por férias. Mas, não passa de intervalo de tempo, cada vez mais curto, de pausa no trabalho….
Quando regresso ao trabalho, sinto-me um pouco como aquele marinheiro que um dia deixou a mulher grávida e voltou, dividido entre a angústia do tempo perdido e a euforia do regresso, encontrando já netos crescidos.
E porquê? Porque, de forma um pouco naïve, sou daqueles que vão para o descanso (férias!) com a esperança, que por sinal até é coisa de marinheiros, que alguma coisa mude.
Além disso, as férias (descanso!) são cruelmente propícias aos sonhos.
Sonhei que vivia num país normal. Num país onde um candidato a primeiro-ministro não promete uma coisa, para logo de seguida fazer exatamente o oposto. Num país em que quem governa sabe muito bem ao que vai quando se apresenta ao eleitorado, e por isso não passa a vida a queixar-se do passado. Ou dos outros.
Nesse país imaginário, existia mesmo um estado de direito. Até se respeitava a Constituição e, pasme-se, logo antes de se fazerem as leis! E nunca, mas mesmo nunca, se atiravam culpas à dita cuja. Nesse país, que pelos vistos não existe, a lei suprema da nação era até mais respeitada do que a religião e a vida. Sim, porque desde logo era ela quem as garantia e protegia. Aliás, como a tudo o resto que materializa uma civilização.
Por tudo isso, o meu choque com a realidade foi brutal. Terminados os sonhos, tive de enfrentar novamente os pesadelos que nos vêm servindo à mesa.
Regressei a uma existência em que a dívida pública não cessa de aumentar. Dívida que os mais insuspeitos economistas garantem já não ser pagável. A um país onde há cada vez mais injustiça e desigualdade. Onde a emigração ultrapassou os números dos anos 60 do século passado. Onde manda mais o dinheiro que a política. E em que o governo embandeira em arco, só porque atirou uma bolinha ao poste das exportações. Onde se fala de recuperação económica com a mesma clarividência com que a banda do Titanic tocou até ao fim. E onde se esconde o jogo até depois das autárquicas, só para não se perder tantos votos. Em suma, regressei a um país onde a democracia se transformou, afinal, em democratura. Onde a festa virou farsa. Para meu desespero.
Neste país onde os sonhos não existem, até as autárquicas deram pesadelo. Desde o folhetim da renovação de mandatos, esclarecido pelo Tribunal Constitucional junto à linha da meta, até à novela das candidaturas ditas independentes, houve de tudo. Valha-nos, pelo menos, o conforto de ficarmos a saber que afinal nunca existiu uma verdadeira lei da limitação de mandatos. Ou que, por estas bandas se confundem candidaturas de dissidentes com candidaturas de independentes. Aliás, com uma ingenuidade coletiva que, pelos vistos, é ainda maior do que aquela que eu levei para ….. férias.
Dito isto, só me resta preparar para o que aí vem: mais mentiras, mais demagogia, mais aldrabice e mais miséria. Em resumo, mais de tudo aquilo que é mau. Agora que se arranjam expedientes, mais ou menos atamancados, para «despejar» todos os que apenas têm o trabalho como moeda de troca.
Tal como disse Spengler, «…ler o passado, compreender o presente e sofrer o futuro…(…)».
Num cenário em que até os carrascos da troika andam desentendidos, a esperança é mesmo coisa só para descanso. Um dia destes resta-nos o BCE, se tivermos sorte. E depois do país estar completamente destruído, se calhar nem com isso ficamos. Em contrapartida, ficarão eles connosco. Ou com o que restar …
Como já devem ter percebido, não estou nada dado à confiança em algo que não é dos meus sonhos. Mas é por aqui que tenho de viver, ou melhor dito, é por aqui que terei de sobreviver. Eu e milhões de outros infortunados. Com férias ou sem elas.
Como dizia Dom Quixote, o sonho é o alívio das misérias dos que as têm acordadas. E se a esperança é afinal aquela coisa que pode misturar-se com o desespero, ao ponto de por vezes já não nos ser possível distinguir uma coisa da outra, a desilusão, ao menos, está para tudo isto como um bálsamo. De facto, não há nada como o reencontro com a verdade para nos tornar mais sábios!
Só me apetece voltar outra vez para o descanso. Vá-se lá saber porquê…
Será que ainda haverá descanso nos próximos anos?

São os direitos adquiridos, estúpido!
(artigo publicado no jornal O Interior em 11 de Setembro 2013)