O país regressou
do que se designa, eufemisticamente, por férias. Mas, não passa de intervalo de
tempo, cada vez mais curto, de pausa no trabalho….
Quando regresso
ao trabalho, sinto-me um pouco como aquele marinheiro que um dia deixou a
mulher grávida e voltou, dividido entre a angústia do tempo perdido e a euforia
do regresso, encontrando já netos crescidos.
E porquê? Porque,
de forma um pouco naïve, sou daqueles
que vão para o descanso (férias!) com a esperança, que por sinal até é coisa de
marinheiros, que alguma coisa mude.
Além disso, as
férias (descanso!) são cruelmente propícias aos sonhos.
Sonhei que vivia
num país normal. Num país onde um candidato a primeiro-ministro não promete uma
coisa, para logo de seguida fazer exatamente o oposto. Num país em que quem
governa sabe muito bem ao que vai quando se apresenta ao eleitorado, e por isso
não passa a vida a queixar-se do passado. Ou dos outros.
Nesse país
imaginário, existia mesmo um estado de direito. Até se respeitava a
Constituição e, pasme-se, logo antes de se fazerem as leis! E nunca, mas mesmo
nunca, se atiravam culpas à dita cuja. Nesse país, que pelos vistos não existe,
a lei suprema da nação era até mais respeitada do que a religião e a vida. Sim,
porque desde logo era ela quem as garantia e protegia. Aliás, como a tudo o
resto que materializa uma civilização.
Por tudo isso, o
meu choque com a realidade foi brutal. Terminados os sonhos, tive de enfrentar novamente
os pesadelos que nos vêm servindo à mesa.
Regressei a uma existência
em que a dívida pública não cessa de aumentar. Dívida que os mais insuspeitos
economistas garantem já não ser pagável. A um país onde há cada vez mais
injustiça e desigualdade. Onde a emigração ultrapassou os números dos anos 60
do século passado. Onde manda mais o dinheiro que a política. E em que o
governo embandeira em arco, só porque atirou uma bolinha ao poste das
exportações. Onde se fala de recuperação económica com a mesma clarividência
com que a banda do Titanic tocou até ao fim. E onde se esconde o jogo até
depois das autárquicas, só para não se perder tantos votos. Em suma, regressei
a um país onde a democracia se transformou, afinal, em democratura. Onde a
festa virou farsa. Para meu desespero.
Neste país onde
os sonhos não existem, até as autárquicas deram pesadelo. Desde o folhetim da
renovação de mandatos, esclarecido pelo Tribunal Constitucional junto à linha
da meta, até à novela das candidaturas ditas independentes, houve de tudo.
Valha-nos, pelo menos, o conforto de ficarmos a saber que afinal nunca existiu
uma verdadeira lei da limitação de mandatos. Ou que, por estas bandas se
confundem candidaturas de dissidentes com candidaturas de independentes. Aliás,
com uma ingenuidade coletiva que, pelos vistos, é ainda maior do que aquela que
eu levei para ….. férias.
Dito isto, só me
resta preparar para o que aí vem: mais mentiras, mais demagogia, mais aldrabice
e mais miséria. Em resumo, mais de tudo aquilo que é mau. Agora que se arranjam
expedientes, mais ou menos atamancados, para «despejar» todos os que apenas têm
o trabalho como moeda de troca.
Tal como disse
Spengler, «…ler o passado, compreender o presente e sofrer o futuro…(…)».
Num cenário em
que até os carrascos da troika andam desentendidos, a esperança é mesmo coisa
só para descanso. Um dia destes resta-nos o BCE, se tivermos sorte. E depois do
país estar completamente destruído, se calhar nem com isso ficamos. Em
contrapartida, ficarão eles connosco. Ou com o que restar …
Como já devem
ter percebido, não estou nada dado à confiança em algo que não é dos meus
sonhos. Mas é por aqui que tenho de viver, ou melhor dito, é por aqui que terei
de sobreviver. Eu e milhões de outros infortunados. Com férias ou sem elas.
Como dizia Dom
Quixote, o sonho é o alívio das misérias dos que as têm acordadas. E se a
esperança é afinal aquela coisa que pode misturar-se com o desespero, ao ponto
de por vezes já não nos ser possível distinguir uma coisa da outra, a desilusão,
ao menos, está para tudo isto como um bálsamo. De facto, não há nada como o
reencontro com a verdade para nos tornar mais sábios!
Só me apetece
voltar outra vez para o descanso. Vá-se lá saber porquê…
Será que ainda
haverá descanso nos próximos anos?
São os direitos
adquiridos, estúpido!
(artigo publicado no jornal O Interior em 11 de Setembro 2013)