quinta-feira, novembro 29, 2012

CRÓNICA F – 26 Nov. 2012

Iniciamos esta crónica com duas felicitações.
Uma devida aos 813 anos da Guarda.
Guarda não apenas relativa à cidade mas extensível a todo o concelho. Esta coisa de se dizer Guarda não pode nem deve ser redutora. Abrangente quanto baste. Todos os que nasceram ou adotaram como sua, esta terra, que por cá vivem ou trabalhem, quer na cidade ou numa aldeia por mais pequena que seja. A todos os que diariamente querem fazer desta terra a sua terra de trabalho. Algo que infelizmente vai sendo uma miragem. Aos que acreditam e vão resistindo são a prova de como dizia o mestre Aquilino Ribeiro, um verdadeiro beirão tem feitio positivo, tenacidade e constância. E, a todos os que por razões óbvias partiram, a todos sem exceção, os nossos parabéns pelos 813 anos.
Esses mesmos valores que falava mestre Aquilino determinam os cinquenta anos de uma instituição: o Centro Cultural da Guarda. A todos quantos trabalham e dirigem aquela instituição vão os meus parabéns pelo aniversário. Nunca esquecendo o contributo que o Centro Cultural da Guarda deu, ao longo destes anos, na aprendizagem nos vários domínios da cultura a muitos e muitos cidadãos e, também, pela divulgação da nossa terra além-fronteiras. Parabéns.
Esta semana não há como fugir ao assunto do momento aqui pelas terras da Guarda: a demissão de Ana Manso e a sua substituição por uma nova equipa na gestão da Unidade Local de Saúde.
No entanto, essa questão não se resume à saída de uma equipa e à entrada de outra. Tem inúmeros contornos, relacionados entre si e que vale a pena tentar enumerar.
Em primeiro lugar, e salvo melhor ou mais fundamentada opinião, a saída de Ana Manso da direcção da ULS menos de um ano depois de ter sido nomeada fica a dever-se fundamentalmente a si própria e não a qualquer cabala política.
Não é novidade para ninguém que a escolha de Ana Manso para dirigir os destinos da ULS da Guarda se rodeou de contornos bizarros e obscuros. Vimos agora confirmados pela boca de Júlio Sarmento os rumores que ecoavam desde o 1.º minuto segundo os quais Ana Manso tinha sido nomeada não pelo ministro da saúde, não por indicação do presidente da ARS Centro, não por influência das estruturas do PSD local, mas sim pela mão omnipresente do ministro Relvas.
(Fazendo um parêntesis, quase me apetece perguntar porque razão neste Portugal da 2.ª década do século XXI não há assunto em que não apareça o nome deste Relvas. O homem está em todas.)
Ou seja, Ana Manso, que não foi propriamente um agente passivo nessa escolha – bateu-se forte e feio pelo lugar - pôs-se a jeito desde o 1.º momento ao ambicionar e aceitar o desempenho de um cargo tendo como suporte político e hierárquico apenas e só o ministro Relvas. Erro crasso como agora somos levados a constatar.
Fragilizada à partida desta forma, Ana Manso, muito ao seu estilo, decidiu desafiar o destino: mandou vir o marido de Castelo Branco, tentou nomeá-lo auditor interno provocando a gargalhada do país inteiro, iniciou um processo de perseguição ao único elemento do conselho de administração que não tinha a sua confiança, meteu naquela casa amigos fiéis sem contrato, cometeu erros atrás de erros que viriam a ser identificados pela Inspecção-Geral da Saúde, varreu do mapa da ULS uma série de funcionários que se tornaram de imediato seus inimigos, ignorou o diálogo com as estruturas locais do seu próprio partido, não resolveu o problema das obras do novo hospital, deixou-se envolver em episódios rocambolescos como o dos cadáveres que pernoitam com os vivos ou saem pela porta do cavalo, hostilizou o presidente da ARS Centro e para culminar foi incapaz de solucionar o problema das direcções de alguns serviços clínicos, como o de Cirurgia, com consequências possivelmente catastróficas para a idoneidade formativa de novos especialistas.
Não é coisa pouca.
No entanto, todo este processo deve fazer pensar em algo de muito mais importante e estrutural: o método de nomeação dos gestores públicos em Portugal.
É chocante que em pleno Portugal do século XXI os lugares de gestão na administração pública continuem a constituir um imenso alfobre de tachos avidamente disputados por militantes dos partidos do poder.
Mais chocante ainda é assistir a este triste espectáculo com actos que incluem um ministro Relvas a meter a colher na área do seu colega da saúde, um líder de uma estrutura partidária (Júlio Sarmento) a assumidamente tentar influenciar decisões que dizem respeito a instituições públicas, como é a ULS da Guarda, um lavar de roupa suja em público entre gestores públicos (pagos com dinheiro do Estado, ou seja, de todos nós) e dirigentes partidários, a notícias de jornal e televisão que colocam a Guarda na ribalta pelas piores razões e finalmente a uma solução inspirada no mesmos métodos.
O novo conselho de administração da ULS da Guarda vai ser constituído por 5 elementos: 3 deles pouco ou nada conhecem da realidade da vida hospitalar e, tanto quanto se sabe, são pessoas que não se conhecem entre si (com excepção, talvez, do enfermeiro-director e da directora clínica hospitalar).
São pessoas que não conhecem o pensamento umas das outras, não conhecem as respectivas experiências profissionais prévias mas que vão ter que se articular no sentido da tomada de decisões vitais para o presente e para o futuro da instituição.
No entanto, terão todas algo em comum: a confiança política de quem as escolheu e, em última análise, a bênção do ministro Relvas.
Não quero nem vou agoirar, mas enquanto guardense desejo ver resolvidos rapidamente problemas como o do novo hospital, o da garantia da manutenção da maternidade, da manutenção da idoneidade formativa do serviço de Cirurgia, da renovação de um quadro médico envelhecido e das querelas e conflitos que muitas carreiras têm destruído naquela casa.
Mas primeiro temos que esperar que os 5 novos elementos do conselho de administração se apresentem uns aos outros, decorem os respectivos nomes e tenham a sorte de convergir nos projectos que levam na cabeça.
Sobretudo o que estas pessoas precisam é de que o ministro Relvas não acorde um dia virado para o lado contrário e decida demiti-los.
 Já agora, um aviso à navegação, constou-me que Ana Manso vai andar por ali.

Crónica na rádio F, segunda-feira dia 26 de novembro de 2012.