Esperando os Bárbaros
Numa letargia sufocante e mórbida Alexandre O´Neill salva-me do tédio.
No idos de 76, O´Neill vê-nos desorientados entre o passado e o futuro, sem grande ideia do que fazer no presente.
“Que esperamos agrupados nesta praça?
Hoje chegam os bárbaros.
Porque está inactivo o Senado e, imóveis,
os pais da pátria não legislam?
É porque hoje chegam os bárbaros.
Que leis irão votar os senadores?
Quando chegarem os Bárbaros serão eles a ditar a lei.
E o imperador, já a pé de madrugada,
que faz sentado no seu alto trono,
coroado e solene às portas da cidade?
É que hoje chegam os Bárbaros
o imperador vai acolher o chefe
dos Bárbaros, a quem fará entrega
de um extenso pergaminho repleto das menções honoríficas, de títulos retumbantes.
Por que vestes os nossos dois cônsules e os pretor
suas togas vermelhas e brocado fino
e ostentam braceletes de ametista,
anéis de esmeraldas refulgentes?
Por que trazem bastões de ouro e prata cinzelados a capricho?
Por hoje chegam os Bárbaros
e todas essas coisas os bárbaros deslumbram.
Por que não acorrem como sempre nossos ilustres oradores
a oferecer-nos com o chorilho feliz de sua eloquência?
Porque hoje chegam os Bárbaros
que odeiam a retórica e os discursos compridos.
E a que vêm, agora, essa inquietação
e essa agitação?
(Como os nossos rostos se tornam graves!).
E por que esvazia a multidão ruas e praças
e cada um, com ar sombrio, volta a cada?
E que a noite caiu e Bárbaros não chegam.
Pessoas recém-vindas das fronteiras
garantem que já não há Bárbaros.
E agora que será de nós sem os Bárbaros?
Essa gente, apesar de tudo, sempre era uma solução."
Alexandre O' Neil, Coração Acordeão, colectânea de crónicas que escreveu para um jornal e alguns dispersos