As eleições na Grécia indiciam uma viragem no panorama político europeu. Não tanto pelos resultados: a maioria relativa da Nova Democracia, uma diferença de menos de 3% em relação à Syriza, a esquerda anti-austeritária que rondou os 27%.
Há muito que não se assistia a uma tal campanha internacional de chantagem, com declarações de Merkel e Obama, de banqueiros, ameaça de bancarrota e expulsão da zona euro, imagens de corrida aos multibancos… Valeu tudo para anunciar o “caos”, o corte de salários e pensões em caso de vitória da “esquerda radical”.
Porém, um mito desabou com as eleições gregas: o da inexistência de alternativas à austeridade. Uma larga faixa do eleitorado, maioritária entre os 18 e os 45 anos e nos principais centros urbanos, como a Grande Atenas, o Pireu e Patras, recusou a chantagem da inevitabilidade e a ditadura da troika.
A Syriza corporizou essa alternativa: renegociação da dívida, a começar pelos prazos e pelos juros; auditoria cidadã e internacional (como fez o Equador) para distinguir a dívida legítima da ilegítima, nomeadamente a que resulta de compras de material de guerra desnecessário e de práticas de agiotagem; prioridade ao investimento produtivo e gerador de emprego.
E, claro, disse não à chantagem da expulsão da UE e do euro, recusada pela larga maioria da opinião pública grega. O que é preciso é alterar as regras, a começar pelo Banco Central Europeu que empresta a 1% aos bancos para estes cobrarem 4% ou 5% aos países pelas dívidas soberanas, já sem falar nos famosos eurobonds.
Em desespero de causa, nos últimos dias da campanha até a Nova democracia veio defender a renegociação da dívida, já recusada pela arrogante chanceler Merkel. Independentemente do governo que a direita conseguir formar (ou não) com o PASOK e a Esquerda Democrática, nada ficará como dantes na Grécia. E não só à esquerda: é preocupante a percentagem de 7% dos nazis da “Aurora Dourada” que expulsaram violentamente os mendigos e os imigrantes duma zona central de Atenas.
E não é só a Grécia que está a mudar. Em Espanha, o resgate anunciado “apenas para a banca” teve o mérito de deixar claro quem vai beneficiar de 100 mil milhões de euros. E já se sabe quem vai pagar a conta. É de saudar a greve e a resistência dos mineiros das Astúrias à repressão neofranquista, os milhares de jovens que ocupam casas despejadas por ordem dos bancos e a fabulosa manifestação de humor e arte “Bankia, pulmones y branquias” - ver http://www.youtube.com/watch?v=iop2b3oq1O0.
Na lógica implacável dos “mercados” e das agências de rating, segue-se a Itália, com um primeiro-ministro (Monti) nomeado diretamente pela finança, sem eleições. E não são só os PIIGS: a Holanda e a Bélgica estão ameaçadas, as dificuldades dos bancos franceses podem agravar-se se Hollande consumar o divórcio com a Merkel, etc…
A Europa aproxima-se da hora das grandes decisões. Ou se afunda numa espiral de austeridade, recessão e pobreza que mina (como na década de 1930) os fundamentos da própria democracia. Ou inverte o rumo suicidário e abre um novo ciclo de resgate social, de combate às desigualdades e de desenvolvimento sustentado.
A Syriza apontou o caminho. E nós, pá?
(Alberto Matos in “Correio Alentejo” de 22 de Junho 2012)