Foi anunciada mais uma nova
reforma curricular nos ensinos básico e secundário…
Despreza o ensino enquanto aprendizagem de múltiplos saberes e de interação
com a cultura, com a consciência cívica e democrática e com a vida social.Com esta reforma, que de curricular nada tem, desenha-se um modelo de escola teórico, livresco e com submissão privilegiada à memorização. Troca-se o ensino por competências por um ensino da transmissão de conhecimentos.
É o regresso a um certo período de “taylorismo” e de “fordismo”, historicamente relacionados com a produtividade e com o lucro. É necessário formar cidadãos obedientes, rotinados em métodos e práticas, sem sentido crítico, sem conhecimento dos seus direitos e apenas memorizando os deveres afixados num qualquer portão de fábrica, oficina ou loja. Ou nas leis que se vão fazendo.
É a visão do aluno enquanto recetor de conhecimentos e nunca como agente capaz de mudança e de intervenção social.
Percebem-se as intenções da reforma de Nuno Crato. Importa, antes de mais, reduzir custos, despedindo professores e amputando o ensino de áreas curriculares fundamentais para o desenvolvimento cívico de crianças, jovens e adolescentes.
Aliás, se analisarmos o parecer do Conselho Nacional de Educação, leitura que se aconselha, verificar-se-á que a reforma de Nuno Crato «não só restringe o âmbito do currículo, como altera o seu equilíbrio interno, afeta a extensão e contradiz alguns dos seus próprios pressupostos».
O exemplo mais chocante consiste na eliminação de um espaço específico como era o da Formação Cívica. Depois de nos últimos anos se ter constituído um grupo de trabalho para elaborar uma proposta curricular de educação para a cidadania distribuída pelos 12 anos de escolaridade, e de essa disciplina ter sido introduzida no ensino secundário, eis o seu fim. Regressamos à hipocrisia de uma escola pública que continua a oferecer a educação moral e religiosa mas prescinde da formação cidadã. Assiste-se à vitória da fé sobre o primado do raciocínio, do experimentalismo e da crítica. Com a ajuda, cínica, diga-se, do emparelhamento entre áreas artísticas e tecnológicas. Misturando e fazendo competir pelos escassos tempos disponíveis duas áreas tão diversas e complementares, consegue-se a desvalorização individual de cada uma. Trata-se de hostilização das artes e do saber criativo e prático, ao abrigo de uma conceção puramente expositiva da transmissão de conhecimentos.
Ou seja, a iliteracia cultural e cívica, que a todos os níveis se vai instalando nos jovens e adolescentes, vai aumentar.
A escola, que devia sobretudo ensinar os jovens a pensarem e a reaprenderem, enfim, a serem cidadãos, limita-se, basicamente, a capacitá-los para lerem, escreverem e contarem! Olvidando que o sucesso se mede, no admirável mundo novo e permanentemente instável em que vivemos, sobretudo pela capacidade de reaprendizagem e de readaptação funcional ao longo da vida.
É de facto um ensino mais pobre, mais barato, e menos criativo que nos prometem. Com o objetivo de amestrar cidadãos com poucas ou nenhumas competências práticas, experimentais e artísticas. Cidadãos que se desejam simplesmente acríticos e irreflexivos. Mais dóceis e submissos a quem vai mandando no país e no mundo, por eleição direta ou imposta.
É o total desprezo pela condição do cidadão vibrante, diferente e criativo.
Abominável atitude esta, tal como muitas outras, que esquece os preciosos ensinamentos de Einstein: A educação é o que resta depois de se ter esquecido tudo o que se aprendeu na escola…
(Artigo publicado no jornal O Interior de 12 de Abril 2012)