Os recentes acontecimentos em Lisboa trouxeram para o debate público a constatação de um facto que estudos internacionais confirmam. Portugal é na sua maioria um país racista. Muito deste racismo tem origem histórica. Fomos um povo colonizador. Ligados à pior de todas as crueldades que a Humanidade já conheceu, a escravatura. Uma pessoa branca leva menos tempo a formar uma opinião sobre um negro do que sobre um branco, ou seja, despersonaliza os negros e mais rapidamente associa a pessoa a um grupo em vez de olhar para as suas especificidades. O presumível assassinato, de Odair Moniz, um cidadão de 43 anos, por um agente da Polícia de Segurança Pública deu origem a uma onda de vandalismo. Os graves problemas que se vivem naqueles bairros, mas igualmente no país, são propositadamente escondidos e vende-se a ideia de um país para turista. A miséria alastra, o poder de compra da grande maioria dos residentes em Portugal é diminuto e agudizam-se entre os excluídos. A construção dos chamados bairros sociais acabou, e mesmo os construídos na década de 80 foram de péssima qualidade, mal projectados, com a aglomeração de cidadãos sem qualquer critério, de desrespeito pela identidade das comunidades, dos seus usos e costumes. E a sobrelotação dos espaços deu-se naturalmente. Tudo, mas tudo feito à moda e ao prazer de um número considerável de oportunistas que fizeram e fazem fortuna com as construções e com a especulação imobiliária. O mesmo de sempre em Portugal. Nos bairros mal construídos tudo falta. Não há espaços de lazer, e os equipamentos não existem e quando os há estão inoperacionais por vandalismo de uns quantos. Centros de apoio às famílias, como creches, centros de dia não existem. Faltam os passeios, as ruas são praticamente intransitáveis. Prédios altos, ruas escuras e o lixo que cresce. Que educação se pode ter em tais bairros? Mas quem no seu juízo perfeito pode admitir que crianças e jovens que vivem a situação de familiares sem emprego, sem rendimentos tenham uma aprendizagem séria e com bases sólidas para vencerem os preconceitos da integração no mercado de trabalho? Os empregos que existem são com ordenados abaixo do limiar da pobreza. Sobrevive-se e vegeta-se. Depois vem a queda para o abismo sempre presente do consumo de estupefacientes. Um submundo sempre presente graças à proliferação de parasitas que vivem da ganância do dinheiro fácil e dos comportamentos desviantes dos consumidores. Já nem falo da prostituição e do proxenetismo. Há cidadãos que lutam desesperadamente contra este modo de sobrevivência. Claro que há! Os que se levantam bem cedo, às 4 da manhã e que regressam à noite exaustos, do trabalho e dos transportes. Que limpam casas bonitas, fazem as limpezas nos escritórios dos donos do país, que trabalham na construção civil, nos supermercados, a carregar móveis ou entregas, e em troca recebem ordenados abaixo do limiar da pobreza. Mesmo com este miserável modo de vida ainda há os que embarcam no sonho de entrar pela porta da Europa. Só a porta, pois a Europa rica, próspera já não existe apenas uma ilusão. Mas ei-los que chegam carregados de sonhos. Só sonhos. Começam logo por terem dificuldade na legalização. Os serviços não funcionam. Há algum serviço público que funcione em Portugal? Quando a legalização não chega entregam-se à máfia dos exploradores a quem vendem o direito a existirem a troco de um trabalho sem limite de horas nem de direitos, apenas e tão-só de deveres. Os poderes fecham os olhos. São cúmplices com a desgraça que prolifera. Uns enriquecem outros vegetam. São atirados para barracões sobrelotados. Depois há quem venha oportunisticamente tentar desviar o problema. Dizer-se que se os polícias disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem. Isto não é de gente séria, não é uma análise política. É o aproveitamento de um sentimento de insegurança vivido no país e nomeadamente na capital de Portugal. É de uma crueldade extrema. Um incentivo a mais e mais violência. E que dizer de canais televisivos de lixo, que com horas e horas de repetição dos acontecimentos ajudaram, e de que maneira, a que o sentimento de revolta contra cidadãos indefesos aumentasse. Que a culpa fosse apenas e tão-só imputável a um dos lados da barricada. Não culpem as redes sociais. Os vossos canais do lixo foram bem piores. Não quero de modo algum que fique a ideia que estou só a defender um dos lados da barricada. Estou a apontar as causas, algumas apenas, do que motiva tais revoltas. Condeno as atitudes de selvajaria que se viveram a seguir à morte do cidadão Odair Moniz. Lembro as condições péssimas das esquadras, da falta de material, nomeadamente, de automóveis e quando os há falta o combustível. Tudo, mas tudo, com a justificação acéfala das cativações que causaram e causam o caos nos serviços públicos. Eles, os das cativações, são os autores do estado de degradação em que o país se encontra. O país para milhões de cidadãos está podre. Para outros o Sol brilha com lucros astronómicos, com roubos descarados, com parasitagem explorando o sangue, suor e lágrimas dos portugueses. Com mais prejuízo para o Estado e maior dano para o país, que os dos bairros do Zambujal, Cova da Moura, ou Bela Vista. Porém, não são encostados à parede no meio da rua pela brigadas de intervenção rápida da polícia e muito menos obrigados a sair dos carros e atirados ao chão. Neste momento somos todos Odair Moniz unidos como os dedos da mão na luta contra uns canalhas. Perceba-se de uma vez por todas que não se atacam autocarros. Nem motoristas. Trabalhadores não atacam trabalhadores, explorados não atacam explorados. Quem manipula tais movimentos? Sim, os residentes nos bairros ditos sociais são, na sua maioria, cidadãos que vivem a amargura dos dias e das noites com dignidade. Haja respeito por eles e por todos os que lutam por uma vida melhor.
Tenham uma excelente semana.