A transparência governamental é um princípio ético vital para o salutar desenvolvimento da democracia. Uma sociedade só é verdadeiramente livre e democrática quando as instituições em que assenta tornam públicos todos os atos de governo; quando providenciam informação relevante de forma completa, fidedigna, atempada, facilmente compreensível e de fácil acesso; e quando têm a capacidade de desvendar interesses privados que possam colidir com o interesse coletivo, permitindo deste modo a responsabilização de todos os atores perante a lei e o escrutínio dos cidadãos, quer pelas decisões e ações tomadas ou omitidas, quer pelas razões que as informaram.Se estas boas práticas de transparência são uma base indispensável para a confiança dos cidadãos no poder político, mais importantes se tornam no que toca ao poder local, devido à sua particular proximidade com os cidadãos.
O tema da transparência encontra-se amplamente estudado pela literatura académica científica, tendo sido demonstrada a enorme importância que reveste no domínio da qualidade da democracia. Não obstante alguns pequenos passos dados para facilitar o acesso aos documentos administrativos, os cidadãos permanecem insatisfeitos com a pouca transparência dos seus órgãos de governo a todos os níveis. Estudos recentes revelam que para os portugueses a transparência é ainda o principal valor associado à realização do Estado de Direito democrático, seguido da igualdade, legalidade e eficiência. Daí a importância e pertinência do tema.
Associado à falta de transparência, persiste o receio de que o poder continue a esbanjar os escassos recursos públicos de que dispomos para o enriquecimento de poucos à custa do contributo e do suor de muitos.
Todos os dias, os cidadãos são confrontados com notícias de corrupção, má despesa pública e abuso de funções ao nível do poder, e com a incapacidade de a Justiça fazer face, com celeridade e eficácia, a este tipo de práticas. Enquanto apenas 41% dos europeus acredita que a corrupção aumentou nos últimos três anos, em Portugal esse n.º sobe para 90%. Seguindo o estudo do Barómetro Europeu sobre a corrupção em Portugal e reportando-nos à percepção dos portugueses sobre o fenómeno, lembrar que subornar ou ser subornado é prática comum, desde logo em partidos políticos, em políticos a nível nacional, regional ou local, em funcionários que adjudicam concursos públicos, funcionários que emitem licenças de construção, empresas privadas, funcionários que emitem licenças para exercício de atividade, inspetores nos diferentes níveis desde saúde e segurança, construção, trabalho, qualidade alimentar, controlo sanitário e licenciamento, no sistema de saúde, na polícia, serviços alfandegários, bancos e instituições financeiras, na administração fiscal, tribunais, segurança social e serviços de assistência social, no ministério público e no sector da educação. Ou seja, praticamente em toda a actividade do país! E para embrulhar e rematar com laço toda esta podridão, não esqueçamos a corrupção ao nível da comunicação social. Falamos apenas de uma caso específico mas elucidativo, da tentativa de uma entidade, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, tentar esconder documentos administrativos.
Ou seja, o acesso a todos os requerimentos – desde 2017 até à data – das empresas de comunicação social que solicitaram confidencialidade dos principais fluxos financeiros e identificação das pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% dos rendimentos totais e mais de 10% do montante total de passivos no balanço e dos passivos contingentes. O pedido expresso ao abrigo da LADA, Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, foi inicialmente negligenciado pela ERC, que nem sequer reagiu ao requerimento do cidadão. Mais tarde, já com o processo de intimação no Tribunal Administrativo, o presidente da ERC, um juiz conselheiro, acabou por atribuir-lhe um entorno de “inutilidade, desrazoabilidade e não economia processual”. Só quando o Tribunal Administrativo de Lisboa deu razão ao requerente e obrigou a ERC a prestar toda a informação solicitada, é que a transparência venceu. No acórdão proferido, a juíza relembra o papel da comunicação social como “um dos pilares da democracia”, defendendo também que a sua natureza “justifica que os agentes que nele operam estejam adstritos a especiais deveres de reporte de informação e transparência”, para depois admitir que, embora a ERC possa permitir a confidencialidade de alguma informação, esse “argumento não legitima a recusa de acesso in totum”, ou seja, no seu todo. Felizmente ainda há quem cumpra a lei e a faça cumprir. Face ao exposto, a alguém admira os vários escândalos de corrupção que assolam o país, desde o poder central ao local? Só a quem não quiser ver aquilo que lhe passa mesmo à frente dos olhos.
Tenham uma boa semana.