A grave crise energética que vivemos é de extrema gravidade quer ao nível dos preços que pagamos pelos combustíveis mas igualmente, como consequência, o aumento do custo de vida em especial dos bens de primeira necessidade. Dizer-se que a crise energética teve como causa a invasão da Ucrânia por um déspota é enganar o cidadão de forma descarada. Ainda não se falava de invasão e já os preços dos combustíveis aumentavam desmesuradamente todas as semanas. Lembrar que a partir de 2004, a produção global de petróleo entrou em declínio: ou seja, o pico máximo de capacidade produtiva global fora alcançado e não é previsível um retorno aos níveis anteriores. Entrou-se numa fase descendente irreversível, devido à real escassez de petróleo face ao aumento da procura global. Não se tenham dúvidas. Embora existam outras fontes energéticas, como o carvão ou o gás natural, estas não podem substituir inteiramente o petróleo por terem características diferentes. Aliás, tratam-se de recursos igualmente não renováveis. A não contingência da condição de escassez é o que diferencia a presente crise energética de outras crises energéticas da idade do petróleo, e especialmente as de 1973 e 1979, que foram causadas por acontecimentos de caráter político-económico e não por real falta de petróleo. De facto, a humanidade já conheceu várias crises energéticas na sua história, como por exemplo a crise da madeira na Europa do século XVIII, que se resolveu com a mudança para o carvão mineral e outros combustíveis fósseis, dando início à idade do carbono. Essas crises energéticas do passado, todavia, nunca tiveram o caráter global da presente crise, pois o nível de integração económica do planeta era bastante inferior ao de hoje. A total dependência da economia global de recursos fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral, todos não renováveis) torna a transição para recursos energéticos renováveis (sol, água, vento, plantas) cada vez mais urgente. Os recursos renováveis, porém, comportam mudanças de uso do solo e afetam a disponibilidade de outros recursos, como é o caso dos parques eólicos e fotovoltaicos e, em medida ainda maior, das barragens e dos agrocombustíveis. Uma visão crítica das questões energéticas deve portanto assentar na consciência de que a solução mais eficiente é a redução da necessidade de energia através de uma transição da economia para formas de produção e consumo sustentáveis. O Programa Ambiental das Nações Unidas define a “economia verde” como aquela capaz de produzir melhores condições humanas e equidade social, reduzindo significativamente os riscos ambientais e as “escassezes ecológicas”. A economia verde permitiria, supostamente, alcançar ao mesmo tempo uma baixa emissão de carbono, a eficiência energética e a inclusão social. Trata-se de uma formulação muito vasta de objetivos que, no atual regime técnico e económico-político, são de facto incompatíveis. Embora a reconversão do sistema económico para tecnologias “verdes” seja uma necessidade, essa reconversão não garante por si só nem uma maior equidade social nem a preservação de recursos naturais. Em muitos casos, a implantação de estruturas que incorporam tecnologias “verdes”, como a coincineração de resíduos, a energia eólica ou fotovoltaica, ou o transporte ferroviário, é objeto de disputas e contestação social por causa do impacto ambiental que elas geram nos contextos onde vão ser localizadas. Um caso emblemático é a energia atómica. A mais perigosa e poluente, logo fora da equação. Além disso, tais estruturas pressupõem o emprego de trabalho humano em condições pouco sustentáveis ou saudáveis, como no caso da reciclagem de resíduos sólidos urbanos. No caso português, lembrar que o governo fez, mais uma vez, figura de menino de coro, bem comportado, ao liderar políticas energéticas que agradam aos países que dominam a economia mundial e que se estão nas tintas para as alterações climáticas. Ser menino bem comportado trouxe consequências negativas para a economia nacional, entre elas, os prematuros encerramentos das centrais termoeléctricas de Sines e do Pego e da refinaria de Matosinhos. Desde que grande parte do sector energético foi alienado a interesses privados, incluindo grandes accionistas estrangeiros, Portugal ficou sem o efectivo comando de mais um sector estratégico da vida nacional. Mas isso não alienou responsabilidades políticas do Governo na definição de estratégias e mesmo na concretização de medidas. O voluntarismo político do Governo, que denota ter como único propósito fingir que o País está no pódio do combate às alterações climáticas, não levou em linha de conta a realidade concreta e complexa da interdependência energética, no plano nacional e europeu. Ao longo deste percurso de insanidade económica, não se teve em conta a complexa interdependência energética, no plano europeu, para as suas lógicas de mercado e para o modo acelerado e irrealista com que os governantes iam assumindo metas, sem nenhum respaldo na realidade. Foram sendo ignorados, por imbecilidade ou por hipocrisia os alertas quanto à relação entre a política energética e a instabilidade sócio-económica, que decorria da transição e foi agravada pelas consequências do conflito entre a Rússia e Ucrânia. Mas também não pode ser ignorada a situação no Norte da África, região de origem de parte substancial das importações nacionais de gás natural, e que raramente é referida em análises deste tipo. Face à grave crise energética e às mais nefastas consequências que advirão, 2022 será certamente um dos piores anos para os portugueses e restante população mundial se os vários conflitos não pararem pois a inflação vai disparar, a economia tenderá para a estagnação, a pobreza e as desigualdades vão aumentar ainda mais.
Tenham uma boa semana.
(Crónica Rádio F - 21 de Março 2022)