terça-feira, junho 28, 2016

(Re)Lendo




A HUMANIDADE EM AGOSTO

Era uma tarde assim, como já sabíamos
ou devíamos, pelo menos, calcular:
insuportável o calor, duvidosa a alegria.
Mas íamos fazer compras e
era Agosto, mês de pouca gente

que viu, como nós, o autocarro
parar bruscamente.
Quatro pequenos cães, de famílias
por certo bem diferentes, atravessavam
num sereno susto o alcatrão. Desconheciam
que tudo (sim, não é apenas o tabaco)
pode matar num dia qualquer os que estão vivos.

Seguiam quase ordeiros, sem caminho.
E não sabiam. Como poderiam saber
que eram as vítimas ocasionais
de umas férias mais tranquilas
para esses mesmos que, na sua excessiva
humanidade, os abandonaram à nenhuma sorte?

E a caravana passou, rodeada de silêncio.
O mais pequeno e farrusco, o que
vinha atrás, parecia não acreditar ainda
que era este o seu destino, nem urbano
nem campestre; simplesmente intolerável.
Doía muito ver-lhe os olhos, e ser humano
como os humanos que ali se libertaram
dele, para garantir a liberdade que não têm.

Pouco tempo depois, o autocarro arrancou.
Chegaremos mais devagar à mesma morte. Mas
chegaremos. Eu sempre achei a humanidade o que
de pior havia sobre a terra. Preferia, às vezes, não ter razão.

Manuel de Freitas
 
Admirável, digo eu!