Sempre
defendi que desde tempos imemoriais Portugal tem dos melhores intrujões do
mundo. Embora, claro, não conheça tão bem os de outros países, ninguém me
convence do contrário.
Quem
não conhece a célebre expressão “fare il portoghese”? Os italianos chamam
“portoghese” às pessoas que entram nas festas sem serem convidadas ou nos espectáculos
sem pagarem bilhete. A expressão nasceu de uma autorização papal por alturas de
uma embaixada de D. Manuel I ao Vaticano, em 1514. Em sinal de reconhecimento,
o Papa deu ordens para que se deixassem entrar os portugueses em todas as
festas. Claro que alguns italianos logo se aproveitaram da situação,
bastando-lhes para tal fazerem-se passar por nós à custa de um lacónico “io
sono portoghese”. Mas quem ficou com a fama fomos nós! E pese embora a
injustiça histórica, não foi por acaso que Deus permitiu que assim se
escrevesse direito por linhas tortas.
Entre
os intrujões portugueses que não faziam parte dessa real comitiva ao Vaticano
contar-se-ão astrólogos, médiuns, pastorinhos, políticos aos magotes,
escritores, banqueiros e figurões do género…
Enfim,
em matéria de charlatanismo, poderíamos facilmente resolver o desequilíbrio
da nossa balança comercial aumentando enormemente as nossas exportações ou
afinando a qualidade da nossa oferta turística. É que os nossos são dos bons, estilo
vintage, dizendo verdades que parecem
aldrabices e aldrabices que parecem verdades. Da santinha da ladeira à taróloga
Maya, passando por Alves dos Reis e reis sem tostão, é um ver se te avias.
Abre-se uma gazeta qualquer, mesmo das ditas cor-de-rosa, e lá estão o Fati, o mestre
Sane e o professor Bandu, conhecidos e reconhecidos internacionalmente.
Prometem felicidades ou facilidades e afirmam-se capazes de tratar à distância
qualquer mal ou de resolver os problemas mais difíceis e desesperados, tais
como injustiça, carta de condução, ou amarração de maridos ou de amantes e de sei
eu lá mais do quê.
Resolvi
testar a sabedoria de um deles, expondo um grave problema que me afecta há
décadas e que dá pelo nome de prisão de ventre. Em pouco mais de trinta
segundos tive o meu problema resolvido e obrei-me a rir.
É
como vos digo, charlatães não nos faltam. Estamos tão bem servidos deles que
muitos chegam a CEOs, administradores ou presidentes de qualquer coisa. E
outros até a ministros da nação ou mesmo mais acima. Por muito longe que
cheguem, estão no entanto sempre demasiado perto de nós. Sente-se-lhes o bafo
no pescoço, até quando dormimos.
O
problema é que o país ainda não reconheceu o verdadeiro valor desta gentalha. Pensando
muito a sério nesta autêntica galinha dos ovos de ouro, vejo chegada a hora de
readequarmos o nosso discurso a quem nos pretenda visitar. Não espero dos
ouvintes senão que aceitem a seriedade, o desprendimento e a honestidade do meu
pensamento e das minhas propostas.
Imagine-se
a romaria de turistas, muitos deles idosos e economicamente bem-apessoados e
sem sequer falarem português, a solicitarem consultas aos tarólogos lusitanos ou
quiçá a frequentarem cursos de verão no nosso país sobre a arte de bem se enganar
a toda a sela. Um mimo!
Esqueçam
festas, romarias, arraiais com sardinha assada, feijoada de tripas, sangria,
vinho americano ou libações do género. Em termos de vigarice não somos só
meia-dúzia de gatos-pingados, somos quase 11 milhões! Há por isso que combater
nas praias, nos centros históricos, nos parques de campismo, enfim, em todo o sítio
em que um turista apareça num dia qualquer. Há que mostrar ao mundo que os
italianos, quando se referem “al portoghese”, afinal sabem bem do que falam!
À
boa maneira lusitana, só reclamo para mim uma pequenina comissão por serviços
prestados. Nada de medalhas no 10 de Junho, que a barriga não se enche com
virtudes mas antes com feijões. Nem que sejam de lata. Coisa que por sinal em
Portugal nunca faltou a ninguém e que bem poderia ser o nosso petróleo.
Tenham
por isso um muito bom dia!
(Crónica Rádio F - 06 de Junho de 2016)