É
com tristeza e preocupação, sentimento que julgo que será partilhado por todos
os ouvintes, que assisto ao que se passa no Brasil. Num país em que a corrupção
é endémica, o que espanta não é a reação do povo, mas sim a dos agentes
políticos e judiciais. De facto, para compreendermos a verdadeira génese do
problema e aquilo que se pode ou não esperar da classe política lá do sítio, importa
recuar ao denominado «mensalão», escândalo de corrupção dos anos 2005 e 2006 que
consistiu na venda de votos por parte de deputados do Congresso brasileiro. Envolveu
membros do governo do então presidente Lula da Silva e de praticamente todos os
partidos brasileiros, independentemente da respetiva tendência política ou
ideológica.
Foram
penalmente indiciados 470 implicados. Desde então, a credibilidade da classe
política foi caindo até chocar de frente com o atual escândalo «lava jato», um
esquema de lavagem de dinheiro suspeito de movimentar o equivalente a
cerca de 4 mil milhões de euros da Petrobrás, no qual estão envolvidos vários partidos
como o PP, PT e PMDB – uma espécie de partidos do arco do
poder – e empresários e políticos como Lula da Silva.
O
"exercício do poder", como tragicamente demonstrado pela história dos
povos, transforma-se numa droga dura para aventureiros atraídos – sobretudo em
tempos de crise – para as fornalhas do Estado. Se o Brasil não pertencesse ao restrito
clube das grandes potências, a inacreditável fuga de Lula à justiça,
acoitando-se no governo da sua protegida Dilma, seria apenas mais um burlesco
episódio em que política e banditismo se confundiriam num qualquer lugar
esquecido do 3.º mundo.
A
verdade é que todo aquele povo compreende como ninguém a corrupção, fenómeno
tão inscrito no ADN do seu sistema político que grassa há décadas com a mesma
naturalidade de quem respira sem se dar conta disso. Por essa razão, quando
alguém votava na direita, fazia-o sem grandes ilusões relativamente à matéria.
Mas Lula, e depois dele Dilma, foram eleitos noutro contexto. Cavalgaram a
esperança de fazer a diferença, de quebrar uma maldição que parecia eterna e
inamovível. E não há nada pior do que desiludir de forma chocante a esperança
de um povo. É assim que nasce o desespero e, com ele, o clima propício às
ditaduras ou coisas do género.
Este
não é um combate entre honestos da direita e ladrões da esquerda ou entre malandros
da direita e puros da esquerda. Nada disso. Este é sobretudo um combate pelo
poder, que é o sítio onde está o dinheiro. A corrupção é apenas o pretexto no
local certo e à hora certa.
Na
guerra em curso, o poder judicial não é uma entidade neutra e justa. Faz também
parte, aliás sem grandes pudores, dessa luta pelo poder. O famoso juiz Moro é
um conhecido simpatizante do PSDB, um dos partidos que concorrem com o PT – o partido
de Lula – ao pote do ouro. O episódio da revelação pública das escutas a Dilma
e Lula é um exemplo de como no Brasil dos dias de hoje vale tudo, até arrancar
olhos.
Desiludam-se
aqueles que acreditam que no Brasil há um poder judicial, executivo e legislativo,
independentes entre si. Por isso, ao refugiar-se na teoria da cabala e do golpe
de estado, mesmo que até lhe assista alguma razão, Lula da Silva assinou a sua
sentença de morte política e talvez mais qualquer coisinha. Descer do pedestal
dos deuses ao dos mortais é muito pior do que nunca lá ter subido. Lula
concorre hoje com aqueles velhinhos ditadores da América Latina que recorriam
aos mesmíssimos argumentos sempre que se sentiam acossado pelos tribunais ou
pelo escrutínio público.
O
problema é que nesses tempos, uns e outros – tribunais e povos – raramente
tinham consciência da sua própria importância enquanto agentes da História.
Esses tempos passaram. E pelos vistos Lula não deu por isso. Uma velha raposa
da política e da historiografia europeia, de seu nome Lord Acton, disse um dia
que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Lord Acton,
no Brasil, não teria provavelmente grande audiência. Mas se afirmasse que o
poder inebria e que o poder absoluto inebria absolutamente, a conversa já seria
outra…
Muito bom dia a todos.
(Crónica rádio F - 21 de Março 2016)