A
última semana presenteou-nos com mais do que uma cena digna do folclore
monárquico, provando que afinal uma república pode não ser só das bananas mas
também de foguetório, sociedades amigáveis de palmadinhas nas costas e mais
contas caladas para os contribuintes.
De
um lado fechou-se um ciclo com a saída de Cavaco Silva, cuja longa e
progressivamente decadente carreira política me transporta inevitavelmente para
um universo em que não consigo deixar de o imaginar como uma espécie de chefe
tribal africano meio gágá no reino da cavaquilândia. Por cá, como temos a mania
que somos diferentes, chamam-lhe pomposamente cavaquistão. Para aquilo que
quero dizer, também serve.
Cavaco
vai finalmente poder gozar as suas reformas, as tais que sabiam a pouco para
quem tão pouco defendeu as do comum dos portugueses. Diz-se que vai ainda somar
a famosa subvenção vitalícia, a tal dos direitos adquiridos e ratificados pelo
Tribunal de Contas, às pensões de dez mil euros brutos que agora recebe.
Como
isso ainda é pouco, Cavaco vai ficar instalado num palácio que pertenceu em
tempos à mulher de Frei Luís de Sousa. De convento de freiras a poiso de mordomia
foi só uma questão de euros, qualquer coisa como 0,5 milhão só para obras de
restauração. Mas, para além da principesca acomodação, Cavaco terá ainda direito
a uma secretária, a um assessor e a viatura com motorista. E nem precisa de ir
a Espanha meter combustível, uma vez que o mesmo lhe é oferecido pelos
contribuintes portugueses, com mais suor de uns do que de outros. É aquilo que
se pode chamar de uma boa vida! Para quem em tempos tinha de fazer pela dita e até
tentou rapar um tachito lá para os lados da PIDE, pode dizer-se que Cavaco é a
prova de que o nosso modelo da ascensão social afinal funciona na perfeição.
Pelo menos para alguns, o que já não é mau.
Do
outro lado, é Paulo Portas quem abandona as lides partidárias. Não consta que
tenha saído de submarino, nem lhe vi aquele boné de pseudoagricultor a que já
me tinha habituado por tempos de feiras e romarias. Mas conseguiu não se livrar
daquele cheirinho a TE DEUM e do ar janota. Em jeito de recompensa, Portas
concede-nos a graça de não termos de aturar mais decisões irrevogáveis nem
aqueles discursos parecidos com os que dirijo o meu cão quando ele faz chichi
no tapete.
O
cerimonial com que tudo isto se passou, o tempo de antenas nas televisões, as
imensas horas de comentários, as inúmeras teorias sobre o futuro, o marketing
sempre a puxar ao exagero, a falta de desprendimento mediático, tudo isso, quer
num caso, quer no outro, demonstram até que nível uma democracia consegue
descer. Ou antes, demonstram que uma democracia consegue mesmo descer ao nível
dos seus políticos, na proporção direta da sua falta de escrúpulos e de consciência
do ridículo.
Numa
altura em que se esperava sobriedade e contenção, humildade e discrição, a
forma como Marcelo se entronizou, sempre na esteira do populismo e do
autoconvencimento, apenas despertam em mim uma sensação de dejá-vu que não
augura nada de bom. Portugal mais parecia uma monarquia do que uma república. E
da última vez que tivemos uma a sério, o rei até nem gostava muito de cá viver.
«Lá vou eu ter que voltar para aquela choldra», queixou-se um dia o Rei D. Carlos,
no momento de iniciar uma viagem de regresso a Portugal. A verdade é que o rei
foi assassinado, a choldra manteve-se, prosperou, ramificou para
dentro do estado, dos media, e da política. Continua vivinha da silva e deu
nisto que nós sabemos.
É
em alturas destas que me lembro de Manuel de Arriaga, o nosso primeiro
presidente da República. Não dispôs de residência oficial nem de viatura do
estado. Pagou do seu próprio bolso todas as despesas, inclusive o aluguer do
palácio. E tinha apenas um polícia à porta. “Era como se não existisse”,
desabafou um dia. Por isso, a bem da minha inteligência e sanidade mental,
deixem por favor de me falar na política de afectos. Falem antes de proveitos. Que
é aquilo que os move.
Tenham
um muito bom dia.
(Crónica
na Rádio F – 14 de Março de 2016)