Finalmente «habemos»
orçamento! Depois de tanta polémica acerca das versões precedentes, eis-nos
finalmente perante um documento que aguarda a sua versão final em sede de
comissão parlamentar. E é sobre esse documento, que já não é bem um rascunho,
que devemos refletir.
Para início de conversa desejo
deixar aqui bem claro que não sou apoiante deste governo nem militante de
qualquer partido político. Sou um simples cidadão e é nessa qualidade que tenho
uma opinião.
E essa opinião, para ir
direto ao assunto, é de que este orçamento é mais do mesmo. Descontando
pequenas diferenças, é um orçamento que esquece quem trabalha e que não
sobrecarrega os verdadeiros detentores da riqueza. É um orçamento que dá com
uma mão e tira com a outra.
Sabendo nós que para a
direita este orçamento é mau, não acredito que mesmo à esquerda alguém possa
defender com convicção que ele vira a página da austeridade. Todos sabemos que
a diferença entre ricos e pobres vai continuar a aumentar. Com a agravante de
algumas perversidades.
Um exemplo, um português com
um vencimento mensal de, digamos, 600 ou 700 euros não deixará, infelizmente, de
ter um rendimento baixo. Mas a partir de agora ser-lhe-á ainda mais difícil
comprar um carro novo, pagar a gasolina e o imposto de circulação, ou andar de transportes
públicos com os passes a aumentarem, e mormente os passes escolares, as
propinas do ensino superior entre outros aumentos. E, mesmo na anunciada
reposição de salários dizer que 40% ficará na mão do Estado.
Não se vislumbra neste orçamento nenhuma importante
medida de fundo no combate às desigualdades sociais. Em teoria, a descida do
IVA nalguns segmentos da restauração poderia servir esse propósito. Mas o facto
de os mais desfavorecidos não serem grandes consumidores deste nível da
atividade económica, por um lado, e de os próprios industriais do sector terem
já anunciado que não vão descer os preços, por outro, só vai conduzir a uma
diminuição da receita fiscal sem contrapartidas sociais que se vejam.
Ao nível do funcionalismo público este orçamento
mantém uns como filhos, a trabalharem 35 horas, e outros como enteados, a
trabalharem 40 horas semanais. E já não falo das desigualdades entre
trabalhadores públicos e privados, com a direita a querer nivelar tudo por
cima, isto é, nas 40 horas, e o governo a deixar como está, isto é, uns assim,
outros, assado.
Quanto aos aumentos dos
impostos para a banca, trata-se de uma medida louvável, não fora o sistema em
funcionamento permitir a transferência dos custos para os clientes. Não andarei
muito longe da verdade se disser que quem manda em Portugal é a banca e não o
governo. A regulação é mínima e ineficaz. No geral, a banca faz o que quer e
como quer. O cliente é, como sempre foi, o elo mais fraco da cadeia. Pagará
mais comissões, ou mais juros, ou mais outra coisa qualquer. Mas pagará. Aliás
vejam-se os milhões de lucros que a banca apresenta en contraponto com os
prejuízos de há uns atrás. Tudo isto cheira a esturro!
A culpa está visto, será
do governo anterior. Ou da Comissão Europeia, da troika, do FMI ou das agências
de rating! E se não for deles, será sempre dos outros. Mas expliquem-nos – ao
menos uma vez na vida – como se podem ter entradas de leão para depois se
anunciarem saídas de sendeiro?
O que mais custa neste
orçamento não é percebermos que fica quase tudo na mesma. É percebermos que
isto acontece pela mão de um governo com apoio de partidos da esquerda. Quando
era a direita a malhar, eu até já achava normal. Nem esperava outra coisa. Mas
ter de aturar isto da esquerda é quase como ser roubado na própria casa pelos
seus próprios filhos.
No meio da miséria, dos
sacrifícios, do medo até, a esperança era a última coisa que nos restava. Com
este orçamento percebemos que as próximas décadas vão ser sempre assim. Ou
antes, vão ser pior. Sim, porque se com a esquerda é o que se vê, imaginem
quando a direita voltar ao poder! Portugal já não é hoje apenas um país de
gente desesperada. É um país de gente traída, só para servir e para agradar a
alguns. A propósito, Cervantes disse um dia que ainda que a traição agrade, os
traidores são sempre odiados.
Eu não iria tão longe.
A mim, basta-me desprezá-los.
Muito bom dia.
(Crónica na rádio F - 8 de Fevereiro de 2016)