«Uma
empresa chamada “Work 4 U – Gestão de Carreiras” colocou esta semana na
internet um anúncio que dizia: “Receba sem compromisso, um estagiário durante 2
dias!” E por baixo: “EXPERIMENTE GRÁTIS”. Exactamente assim, com este vocabulário.
Em pleno século XXI, na Europa, é possível publicar um anúncio destes, sem uma
única informação adicional. A como sai cada estagiário ao quilo? Não dizem. Em
que condições está a dentição dos estagiários? Omitem. As grilhetas vêm de
origem ou são um extra? Não revelam. Como podem as empresas tomar decisões
informadas se o marketing falha desta maneira? É esta a sociedade moderna em
que queremos viver?
O
resto do anúncio é igualmente insatisfatório. Diz assim: “Condições de
pagamento à Work4U: 1 ano de estágio a pronto: 969€ (desconto 15% – poupa
171€); 6 meses a pronto: 510€ (10% desconto – poupa 60€); Pagamento mensal:
95€/mês (pago em débito directo)”. Como é evidente, saúda-se que os estagiários
estejam em promoção, mas creio que os preços continuam a ser demasiado
elevados. Não quero com isto menosprezar o valor do trabalho da Work4U.
Recrutar e comercializar estagiários é uma actividade difícil, porque gente
desesperada para entrar no mercado de trabalho costuma ser má de aturar.
Choradeiras, perguntas parvas (por exemplo: “Dentro de quantos anos começarei a
receber um salário?”) – enfim, há de tudo, e é realmente exasperante. Mas o
empresário que busca trabalho gratuito e depois é confrontado com um pagamento
sentir-se-á burlado, e com razão.
O
mercado do trabalho gratuito necessita de regulamentação urgente, para evitar
situações como esta, que roçam a imoralidade. Sobretudo porque esta tabela de
preços é concluída com uma nota inaceitável: “Acresce IVA e taxa de activação
de 60€ por estagiário”. Ou seja, ao que parece, mesmo depois de efectuado o
pagamento, a empresa recebe o estagiário desactivado, e só após o depósito da
taxa de activação consegue que ele comece a desempenhar tarefas. No entanto,
não é fornecido um PIN ou um PUK, para o caso de o estagiário bloquear no
serviço.
Mas
o escândalo maior vem no rodapé do anúncio: “Apoio ao estagiário:
Adicionalmente, é a sua empresa que define o valor mensal de apoio que pretende
pagar ao estagiário, para custo de transporte e alimentação.” Mais uma alcavala
inopinada imposta pela Work4U, numa manobra que se aproxima perigosamente da
vigarice e da exploração. Só no fim do anúncio, e em letras pequenas, nos é
comunicado que estes estagiários pretendem não só alimentar-se e fazer-se
transportar para a empresa que os acolhe como ainda têm a intenção de cobrar
essas despesas extravagantes. Ao preço de 969€ anuais por cada estagiário, será
demais esperar que seja a própria Work4U a construir uma senzala, ainda que
provisória, dentro da empresa ou na sua vizinhança, senzala essa na qual os
estagiários possam pernoitar? Convém corrigir estes pormenores, para que a
comercialização do trabalho gratuito possa reaver o prestígio que já teve
noutros séculos.» - Ricardo Araújo Pereira, na Visão.