Em tempo de S. Martinho, com
vinho novo que aí vem e castanhas a prometer, ocorre-me que afinal o Novo e o
Velho, enquanto conceitos, não são apenas pertença de agiotas, de poetas ou de
renovadas prostitutas. É que também nos partidos há os designados velhos e
novos, ou melhor, os antes e os depois. Falo do velhinho PS,
naturalmente, que agora se pretende vestido de novo, para ser candidato ao
poder.
Antes, com Seguro, eram as piruetas
e contorções que carregavam às costas a ingrata tarefa de fazer a opinião
pública acreditar que o PS que se ambicionava promover não era o mesmo que esteve
sempre de acordo e que votou favoravelmente ao lado dos partidos da maioria as
iniciativas legislativas mais importantes. Que o PS que se desejava para
governo era coisa diferente daquele que assinou um dia o memorando e que chancelou
a cruel hipoteca do futuro dos portugueses por muitos e muitos anos.
Agora, no depois com Costa, à
primeira oportunidade, o PS revelou-se igual a si próprio. À boleia da petição
que nasceu do Manifesto dos 74, mas com muito cuidado para não usar palavras
como “renegociação” ou “reestruturação” da dívida, isto é, sem assumir nenhuma
verdadeira posição política, o PS apresentou um projecto de resolução para propor um
debate. Quanto à dívida, euro, austeridade, salários, direitos
laborais, quanto aos milionários que vão nascendo da miséria que vai engolindo
cada vez mais gente, enfim, os temas que encheriam a agenda de qualquer partido
minimamente de esquerda, o PS trata-os com pinças e sem dizer ao que vem e que
projeto tem realmente para o país.
A verdade é que para o PS, os
conceitos de Novo e de Velho não deixam de ser a mesma coisa. O que motivou a
querela interna entre Seguro e Costa não foi uma especial divergência sobre a
forma de cada um conduzir um dia os destinos do país. Foi apenas uma conta de
somar e de multiplicar sobre qual deles tinha mais hipóteses para alcançar o
poder. Que incluiu até, na parte final do combate, a necessidade de um
compromisso entre os dois, com respeito pelas proporcionalidades de cada fação
e coisas do género.
Para que se compreenda como vai
ficar tudo na mesma, trago aqui apenas um exemplo: o PS de Seguro votou
favoravelmente a descida do IRC. O PS de Costa vai mantê-la. E por aí adiante,
seja o que for que se queira discutir. É a velha tática de se mudar para que
tudo fique na mesma. E assim se passa do Velho para o Novo sem se tirar os pés
do lugar…
O problema é que as sondagens dão-lhes
razão. Os portugueses parecem contentar-se com mudanças vagamente insinuadas
como promessas e arriscam-se a confiar ao PS uma nova maioria absoluta. O PS
pode assim dar-se ao luxo de ficar à espera das eleições, sem se comprometer
com nada.
Só o vislumbre de que isto possa
acontecer já diz tudo sobre o ponto a que chegámos. Uns já lhe chamaram
pântano, outros uma situação de tanga, e por aí fora. Para mim, que não quero
chamar-lhe aqui tudo, vale em recurso a classificação dos brasileiros, que
diriam simplesmente que chegámos mas é ao fim da picada!
O PS sabe por isso que pode
continuar a não ser. A esquerda continua a não saber ser. É afinal a esquerda
que mais convém aos mercados. É uma esquerda global que, com quase 2/3 do potencial
eleitorado do seu lado, consegue contudo ser à prova de gente. É uma esquerda
que não serve, uma esquerda que não sabe estar à altura do seu tempo. Uma
esquerda que devia ser, porque nos faz muita falta, mas que ninguém sabe afinal
onde se encontra.
Assim, pelos vistos, vamos ter
mais do mesmo pelo menos até 2037, data já prometida para a troika andar por cá, daqui até lá. Com
todos os antes e depois que pelo meio nos queiram impingir. Por isso, meus amigos,
só me resta uma solução: beber vinho novo e comer castanha velha, já que as
deste ano parecem até nem ser grande coisa.
Tenham um bom dia!
(Crónica na Rádio F – Segunda-feira,
27 de Outubro de 2014 – Ponto de Vista)