Aproxima-se a data que
marcou para sempre as nossas vidas. O 25 de Abril de 1974!
Sucedem-se, a ritmo
alucinante, comemorações, evocações e outras coisas que tais.
Nuns casos é
notório o desejo de alguns se colocarem em bicos de pés, só para que dêem por eles.
Noutros vislumbra-se a hipocrisia de quem nos quer fazer crer que até respeita
a democracia, apesar de na prática suportar uma ditadura económica e social das
mais ferozes e sanguinárias dos tempos modernos.
No meio, o povo anónimo, que
olha estupefacto para o desenrolar de tudo isto.
Vem a propósito um
episódio que ilustra bem a forma como certa gente, de barriga cheia, olha para
o 25 de Abril.
Um dia destes a presidente da Assembleia da República afirmou
que se os militares da Associação 25 de Abril não forem ao Parlamento nas
comemorações do aniversário dessa data, "o problema é deles".
A doutora Assunção
Esteves está equivocada.
O problema não é "deles".
O problema é da
senhora presidente da Assembleia da República que não quer correr o risco de
ouvir verdades que não lhe agradem. Prefere por isso o sossego da rotina, que por
sinal já cheira a podre.
O problema é da senhora
presidente da Assembleia da República, que, com muita falta de bom senso, se
esquece de que só se senta na cadeira em que se senta porque os militares que
ela não quer ouvir um dia arriscaram a sua vida para que tal fosse possível.
O problema é da senhora
presidente da Assembleia da República que, com fraca memória, se esquece que
desta vez se comemora uma data redonda - 40 anos - sobre o dia da
revolução, pelo que seria totalmente admissível que se permitisse, que
fosse também dada voz aos militares que abriram o caminho para a existência
desta Assembleia da República.
O problema é da senhora
presidente da Assembleia da República porque, se não fosse tão mal agradecida, se
recordaria de que a soberba reforma que hoje aufere por ter sido juíza do
Tribunal Constitucional durante alguns anos só é possível porque os militares
que não quer agora ouvir permitiram que tal fosse possível.
Pensando melhor,
contudo, talvez o problema não seja da senhora presidente da Assembleia da
República. Talvez o problema seja mesmo do país que aceita ter como segunda
figura do Estado alguém que já demonstrou - por várias vezes - não ter um pingo
de bom senso.
Assunção Esteves é uma
personagem no sentido plano e caricatural do termo. Nos romances, as Assunções
surgem nos capítulos secundários para darem um colorido sociológico ou
histórico ao cenário onde a personagem principal actua. Ora, Assunção Esteves representa
o colorido cómico de um certo Portugal, o Portugal da comédia snob e do nariz
empinado por questões de nascimento.
Sim, é o Portugal que brinca aos
pobrezinhos, mas também é o Portugal que quer brincar aos riquinhos.
Assunção
Esteves encaixa na segunda espécie.
Julgo que aqueles que brincam aos
pobrezinhos têm uma palavra gira para descrever esta segunda categoria:
possidónios. Palavra giríssima, como diria qualquer tia de Cascais.
À segunda figura do
estado custa recordar que o seu pai era alfaiate. Aquilo que deveria ser
motivo de orgulho para um cidadão normal é para ela motivo de vergonha. Como é
evidente para qualquer possidónio, a filha de um pobrezinho não pode chegar ao
topo, é contranatura.
Os regimes mudam, mas
este Portugal não morre.
A comédia social parece ter o dom da imortalidade.
Tal
como no 24 de Abril, ainda temos por aí fidalgos a viverem em bolhas sem qualquer
contacto com a realidade.
Fidalgos wannabe
, como dizem os ingleses, que querem à força brincar aos riquinhos, sobretudo porque
nunca digeriram convenientemente uma revolução que um dia os meteu a ridículo e
que gloriosamente os humilhou.
Tenham um bom dia
apesar de alguns disparates hilariantes que por aí se vão lendo e ouvindo.
(Crónica na Rádio F - dia 21 de Abril de 2014)