Durão Barroso, armado
em candidato às próximas presidenciais, começou finalmente a dar nas vistas, dando
entrevistas. Numa das últimas fez aquilo que por vezes acontece a quem corre
quando devia era estar sentado: espalhou-se ao comprido.
Depois de uma enfiada
de elogios ao governo e a Cavaco Silva, que me trouxe à memória aquela patética
imagem das sociedades amigáveis de palmadinhas nas costas, Durão Barroso
resolveu falar na educação em Portugal. Arrebatado consigo mesmo, elogiou com
saudade a “cultura de excelência” nas escolas de antes do 25 de Abril. Assim
mesmo.
Vamos então recordar do
que falou Durão Barroso, o português que um dia, com a educação que se sabe, fugiu
para a Europa a sete pés depois de ter feito por cá tudo aquilo que muitos ainda
recordam.
O tal ensino que Barroso
considera de excelência ia apenas até à terceira classe. Só mais tarde, por
imposição da OCDE, a escolaridade passou para 4.ª classe, mas ainda assim sem carácter obrigatório. Para o tal ensino de excelência bastava saber de cor e salteado as linhas de caminho-de-ferro de Angola e as culturas agrícolas
praticadas no Brasil, que por sinal era um país independente desde 1822. E para
quem não quisesse aprender, estava reservada a velhinha reguada na palma da mão
ou a saudosa cana-da-índia nos nós dos dedos.
O corporativismo,
religião oficial do regime, estendia-se à educação e ao sistema de ensino. Os
filhos dos doutores seriam doutores, os dos pedreiros seriam pedreiros, e por
aí fora. Essa política só mudou um pouco para o fim, quando, contra a vontade
de Salazar, foram criadas as escolas industriais e comerciais para os filhos da
ralé, por os Alfredos da Silva e os Mellos terem descoberto que nas suas
indústrias eram precisos técnicos com mais do que a 4.ª classe e que soubessem
mais do que simplesmente assinar o seu
nome ou fazer trocos de tostões nas mercearias e tabernas do Portugal profundo.
A separação escolar
entre os sexos era a regra. Rapazes para um lado, raparigas para o outro. Já
agora, no caso delas, com cursos de lavores e de cozinha, que assim se
defendiam as virtudes, fosse qual fosse o significado de tal coisa. Resultado: um
analfabetismo que durante muitos anos nos alcandorou ao pódio daquilo que pior havia
por essa Europa fora.
A única excelência de
que a esse tempo me recordo consistia no substantivo feminino que pretendia
atribuir primazias: sua “excelência” o senhor presidente do Concelho, ou sua
“eminência” o senhor cardeal, ou coisas do género.
Mas mais do que as
palavras, julguemos os actos. Durão Barroso é daqueles que, no dia a seguir ao
25 de Abril, andou a espalhar a revolução maoísta pela universidade, a agredir
adversários políticos, a praticar a caça ao bufo e a sanear os mesmíssimos
professores que até esse dia praticavam a “cultura de excelência” que agora
elogia. Por isso não admira que Barroso se identifique com os acéfalos que
confundem educação e ensino.
Claro que a escola de
hoje não é bem aquilo que um dia almejámos. Do afastamento de qualquer cultura
democrática, passando pelo encerramento de milhares de escolas e pelo
financiamento simultâneo de escolas privadas desnecessárias, até ao
desfasamento de quase todas elas em relação ao mercado de trabalho, muita coisa
vai mal. Sadicamente, sobretudo por culpa de muitos “Durões” que por aí andam.
Alguém disse que quem não
tem vergonha não tem consciência. Eu penso exactamente o contrário. Durão
Barroso, não tendo nada de uma, tem muito da outra. Tem consciência de que este
povo, capaz do melhor e do pior, pode mesmo vir um dia a elegê-lo presidente da
República. E se isso acontecer, a profecia cumpre-se. Não foi Salazar, o pai da
tal “cultura de excelência”, quem afirmou um dia que cada povo tem os políticos
que merece? Ora aí têm!
Com ou sem excelência, muito bom dia a todos…
(Crónica na rádio F - dia 14 de Abril de 2014)