Já todos percebemos que a campanha para as eleições legislativas
e presidenciais está na rua.
Ou seja, abriu a caça aos patos, que somos nós.
Encontramos
esses sinais de caça, por exemplo, no discurso do sucesso orçamental.
Eu, que
só consigo ver os patos cada vez mais magros e os coelhos cada vez mais gordos,
acho que para variar não nos ficava nada mal refletirmos nas diferenças entre
láparos e aves patudas.
Quando tudo aponta para um défice na ordem dos 4,4% do PIB e
o governo canta vitória, impõe-se que percebamos que se não queremos acabar
todos no forno, convém esmiuçar os dados apresentados.
Afinal o que é que se ajustou, e como?
O ajustamento de que o governo se vangloria foi conseguido à
custa do aumento brutal dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. Foram
cobrados mais 3,5 mil milhões de euros em impostos do que em 2012. 92% desses impostos
foram sobre rendimentos do trabalho. Já os rendimentos do capital não sofreram
agravamento significativo.
Ou seja, o governo foi, mais uma vez, forte com os
fracos e fraco com os fortes. Os patos estão depenados e os coelhos parecem
leitões.
Mas, se a justificação para não se tocar nos rendimentos do
capital fosse a necessidade de investimento, tal argumento seria de imediato
refutado pelos números, ou seja, o tal investimento, tão protegido, teve uma
quebra de 28%.
Julgo por isso que quanto a quem pagou, até ao tutano, o tal
ajustamento, estamos conversados. Mas há mais.
O governo, não satisfeito com os cortes aos funcionários
públicos, reformados e pensionistas, resolveu arrecadar uma receita
extraordinária através de um programa de perdão fiscal.
Para doer mais,
fê-lo no mesmo ano em que a generalidade dos portugueses cumpridores foi
submetida à maior sobrecarga de IRS de sempre: 12,300 mil milhões de euros,
mais 35,5% do que no esticão de 2012, e mais 3 200 milhões de euros do
que no ano anterior.
Tudo isto aconteceu no ano dos SWAP e da descida dos impostos
para os lucros das grandes empresas.
Ou da manutenção das rendas das PPP`s e de
sectores como o da energia mais cara de toda a Europa.
Claro que neste cenário em que se tirou muito aos pobres e
pouco aos ricos, não espanta a ninguém que o saldo da administração central tenha
piorado em 300 milhões, de 2012 para 2013. A administração regional piorou cerca
de 600 milhões. A administração local piorou quase 800 milhões. Tudo junto, o
défice aumentou cerca de 1,6 mil milhões.
O único “ajustamento” que realmente aconteceu consistiu no
desvio dos nossos impostos para o serviço da dívida, deixando a descoberto os
serviços públicos.
Temos estado a pagar os juros monstruosos com que a banca se
está a recapitalizar e tornámo-nos vítimas de um plano de reengenharia social
que fabrica ricos à custa de pobres e remediados.
O resultado é visível em hospitais e centros de saúde,
escolas, centros de emprego e empresas que foram fechando . Conduziu a uma
emigração com valores recorde e à 2.ª menor taxa de natalidade do mundo.
Hoje,
o país, profundamente deprimido, não é para novos nem para velhos e arrisca-se,
um dia destes, a não ser para ninguém. Nem para patos como nós.
Só os coelhos
vão ainda sobrevivendo, se calhar porque se tornaram carnívoros.
Por isso já há quem chame a isto um “ajustacídio”, para designar
a morte lenta e brutal de um povo de patos à custa de tanto “ajustamento”.
Eu,
chamar-lhe-ia simplesmente um “patocídio”.
Acho que vai dar ao mesmo e sempre é
mais fácil de entender. Menos pelos coelhos, é claro.
Tenham um bom dia e uma
óptima semana a salvo da caçada.
(Crónica na rádio F - dia 27 de Janeiro de 2014)