É a partir deste mês de
janeiro que muitos portugueses, trivialmente denominados de funcionários
públicos, vão sentir na carteira os cortes decretados pelo governo. Como as
contas deste rosário têm sido adornadas com falácia que baste, reflitamos
seriamente naquilo que está em causa.
Com o aumento não
remunerado, de 35 para 40, do número de horas semanais de trabalho, estes funcionários
sofreram em 2014, de um só golpe, uma redução relativa da sua remuneração em
cerca de 14%.
Depois há ainda que somar,
se o Tribunal Constitucional o vier a permitir, o corte salarial entre 2,5 e
12%, que originará diferenças entre salário bruto e salário líquido que chegam
a ultrapassar os 50%.
A isto acresce um
aumento de 1% na contribuição para a ADSE.
Ora, aqui chegados, deixemos
a propaganda à porta e atiremo-nos à matemática.
Tomemos o exemplo de um
funcionário público, solteiro e sem filhos, que vença um salário bruto de 700
euros. A redução salarial em 2014 será de 164 euros, aumentando 21 euros em
relação à que vigorou em 2012.
Só que a comparação não
pode ser assim tão pacífica. Como o funcionário agora trabalha mais uma hora
por dia, tem de se entrar em linha de conta com este novo fator. O funcionário
deveria agora ser remunerado, de acordo com uma regra de três simples que
incorporasse essas 5 horas semanais adicionais, com 800 euros brutos por mês,
em vez de 700.
Ou seja, o funcionário
público em causa vai perder, não 21 euros por mês em relação a 2012, mas sim
121 euros mensais, representando mais de 15% daquilo que deveriam ser os
merecidos 800 euros.
Isto bate certo com os
tais 1% para a ADSE e os 14% de trabalho gratuito, sem sequer entrarmos em
linha de conta com o facto de não haver qualquer acompanhamento compensatório
da inflação, o que é mau.
Também bate certo com
outros indicadores. Sabe-se hoje que a perda de emprego e os cortes salariais
foram responsáveis por 31% dos mais de 29 mil pedidos de auxílio recebidos pela
DECO em 2013. Trata-se genericamente de casos em que pessoas até aí
cumpridoras foram, por via de uma dita “adaptação salarial” que não é da sua
responsabilidade, transformadas naquilo que vulgarmente denominávamos de
“caloteiros”. Porque sabemos que não o são, passaram, no politiquês hoje corrente, a ser pessoas que viviam “acima das suas
possibilidades”.
Bate ainda certo com o
futuro que este governo quer para Portugal. Arrasando com o militante e
persistente ceticismo de alguns, finalmente há um rumo. É cada vez mais claro
que se atingirmos os 40% de desemprego, um horário semanal de 50 horas sem
direito a férias, e um salário mínimo de 100 euros, voltaremos a ter um período
dourado. Pelo menos alguns.
Esta possibilidade,
cada vez mais real, está a causar o pânico nas grandes potências que nesta área
arriscam ser nossas concorrentes, como é o caso do Bangladesh, do Burkina Faso
e da Costa Rica.
Os políticos destes
países confessam agora o seu receio de a deslocalização para Portugal de grande
parte das suas empresas trazer para o nosso país milhares de postos de trabalho
especializados na área do emprego infantil e adolescente. Com toda essa
juventude a dar ao dedo, a par de uma quase escravatura da restante população
ativa, a taxa de desemprego global em Portugal arrisca-se a ser trucidada para
números com que atualmente só podemos sonhar e que farão inveja a toda a Europa.
Há mesmo economistas
mais visionários que começam a defender que o trabalho é um bem demasiado
precioso para continuar a ser tratado com tem sido. Quem quiser trabalhar, deve
simplesmente pagar.
Sim, porque num mundo
verdadeiramente competitivo e moderno, não há lugar para relógios, resiliências
ou outros esquemas epistemológicos. E muito menos para mandriões. Ou para funcionários
públicos, que são mais ou menos a mesma coisa.
Uma boa semana para
todos, dentro dos limites que nos são impostos.
(Crónica rádio F - dia 20 de Janeiro de 2013)