Que andam alguns banqueiros a fazer? Não aprenderam a lição?
Opinião de José Gomes Ferreira, Subdiretor de Informação SIC.
Em breve, os contribuintes portugueses que já são accionistas
involuntários de quase 60 por cento da banca nacional, poderão tornar-se donos
de ainda mais alguns bancos. A limpeza das contas do sector não está a ser
feita com a rapidez e a qualidade que se impunha. Pelo contrário, algumas das
instituições estão a esconder as perdas no sector da construção e imobiliário
com soluções muito criativas.
Um terreno na zona de Mafra/Ericeira foi recentemente comprado por um
banco português, por cerca de um milhão de euros. Pareceria um negócio normal,
não fosse o facto de o terreno em causa não ser urbanizável ou utilizável para
qualquer fim de industria ou comércio. Fonte ligada ao mesmo banco garante-me
que o terreno em causa vale apenas 20 mil euros.
Pergunta – O que é que leva um banco português a dar um milhão de euros
por um terreno que vale apenas 20 mil euros, perdendo aparentemente 980 mil
euros com o negócio?
Numa urbanização de luxo, num condomínio também de luxo, a poucos
quilómetros a noroeste de Lisboa, existem dois conjuntos de prédios
praticamente vazios. Durante mais de 5 anos, o promotor conseguiu vender apenas
dois ou três apartamentos. À partida poderia supor-se que os preços dos
apartamentos colocados no mercado iriam baixar. Não baixaram. O preço de cada
um acaba de aumentar em 20 mil euros.
Pergunta – Que razão existe para dezenas de apartamentos de uma
urbanização de luxo terem aumentado de preço nas ultimas semanas, quando não se
consegue vender nenhum?
A explicação, para os dois casos, é simples.
Há poucos meses, o Banco de Portugal ameaçou impor unilateralmente o
reconhecimento de imparidades aos bancos que teimavam em não resolver o
problema dos créditos de risco a empresas de imobiliário e construção. A ameaça
feita pela equipa de Carlos Costa era de tal forma determinada que o Banco de
Portugal admitia mesmo impor perdas até 70 por cento no valor dos activos
constituídos pelos créditos concedidos aquelas empresas.
Após a ameaça, o banco financiador da empresa de construção que tinha
integrado no seu património o terreno de Mafra pediu a liquidação da empresa.
Mas como sabia que a empresa não tinha meios nem património para pagar a
dívida, a administração ordenou que o próprio banco se apresentasse na venda do
activo em execução. E o valor que o comprador quis pagar foi – um milhão de
euros por um terreno que vale 20 mil euros! Para que a empresa em liquidação
entregue esse dinheiro ao banco credor, que o recebe de volta e de caminho fica
com um terreno avaliado em milhão de euros a favorecer o seu balanço. Um bem
que, como vimos vale apenas 20 mil euros, mas desta forma o banco não tem de
reconhecer a perda de 980 mil euros com a falência da empresa. A mesma fonte
garante-me que este banco está a usar o expediente em larga escala, em muitos outros
casos, no valor de muitas dezenas ou até centenas de milhões de euros.
Também depois da decisão do Banco de Portugal, o banco credor do promotor
dos prédios na urbanização de luxo a Noroeste de Lisboa pediu a liquidação da
empresa. O património acabou por passar para o banco credor. A fonte que me
contou a história não sabia qual o valor da compra ou recepção do património
pelo banco, mas o facto de os apartamentos estarem à venda por um valor
superior ao que era há pouco tempo, é um indício claro da mesma prática
referida no caso anterior: o banco sabe que não vai conseguir vender os
apartamentos, mas já conseguiu o que queria: contabiliza-los nos seus livros a
um valor elevado. Se tivesse de os vender por um valor mais baixo, as contas
não bateriam certo.
Os banqueiros que usam estes expedientes estão a contar com uma eventual
reanimação do mercado imobiliário na sequência da retoma a economia, de forma a
que os activos que têm um valor real muito inferior ao contabilizado acabem por
subir de preço. Mas uma recuperação do imobiliário que cubra a diferença teria
de resultar de um crescimento do PIB de forma exponencial nos próximos anos. O
que todos sabemos que não vai acontecer.
Este ano vem aí mais um conjunto de testes de stress para a banca
europeia, incluindo a banca portuguesa. Este fim de semana, um estudo
independente dava conta de que, em toda a zona euro, os bancos iriam precisar
de mais de 700 mil milhões de euros para recapitalização se fossem reconhecidas
as verdadeiras perdas. Em Portugal, este valor poderia ultrapassar os 11 mil
milhões de euros.
Com os expedientes referidos, os banqueiros portugueses podem evitar os
rigores dos testes de stress porque sabem que, por mais rigorosos que sejam,
não será possível avaliar, um a um, todos os imóveis que estão contabilizados
nos seus balanços.
Podem enganar os examinadores.
Não será para sempre.
O tempo se encarregará de mostrar como são fracos os gestores da banca
nacional que usam estes esquemas.
Na verdade, estão a enganar-se a si próprios.