quinta-feira, fevereiro 25, 2016

(Re)Lendo


O papão


Atrás da porta, erecto e rígido, presente,

Ele espera-me. E por isso me atrapalho,

E vou pisar, exactamente,

A sombra de Ele no soalho!

– “Senhor Papão!”

(Gaguejo eu)

“Deixe-me ir dar a minha lição!

“Sou professor no liceu...”

Mas o seu hálito

Marcou-me, frio como o tacto duma espada.

E eu saio pálido,

Com a garganta fechada.

Perguntam-me, lá fora: “Estás doente?”

– “Não!”, (grito-lhes)... “porquê?!”. E falo e rio, divertindo-me.

Ora o pior é que há palavras em que paro, de repente,

E que me doem, doem, doem..., prolongando-se e ferindo-me...

Então, no ar,

Levitando-se, enorme, e subvertendo tudo,

Ele faz frio e luz como um luar...

Eu ouço-lhes o riso mudo.

– “Senhor Papão!”

(Gaguejo eu) “por quem é,

“Deixe-me estar aqui, nesta reunião,

“Sentadinho, a tomar o meu café...!”

Mas os mínimos gestos e palavras do meu dia

Ficaram cheios de sentido.

Ter de mais que dizer..., ah, que maçada e que agonia!

Bem natural que eu seja repelido.

Fujo. E na minha mansarda,

Volvo-lhe: - "Senhor Papão!

“Se é o meu Anjo-da-Guarda,

“Guarde-me!, mas de si! da vida não.”

O seu olhar, então, fuzila como um facho.

Suas asas sem fim vibram no ar como um açoite...

E até no leito em que me deito o acho,

E nós lutamos toda a noite.

Até que, vencido, imbele

Ante o esplendor da sua face,

De repente me prostro, e beijo o chão diante de Ele,

Reconhecendo o seu disfarce.

E rezo-lhe: - “Meu Deus! perdão...: Senhor Papão!

“Eu não sou digno desta guerra!

“Poupe-me à sua Revelação!

“Deixe-me ser cá da terra!”

Quando uma súbita viragem

Me faz ver (truque velho!...)

Que estou em frente do espelho,

Diante da minha imagem.

 

In As Encruzilhadas de Deus

José Régio