quarta-feira, dezembro 14, 2016

(Re)Lendo


 
Canção dos romances perdidos

Oh! o silêncio das salas de espera
Onde esses pobres guarda-chuvas lentamente escorrem...
O silêncio das salas de espera
E aquela última estrela...

Aquela última estrela
Que bale, bale, bale,
Perdida na enchente da luz...

Aquela última estrela
E, na parede, esses quadrados lívidos,
De onde fugiram os retratos...

De onde fugiram todos os retratos...

E esta minha ternura,
Meu Deus,
Oh! toda esta minha ternura inútil, desaproveitada!...

Mário Quintana

Papas, Bolos, Tolos e coisas que tais


A Guarda tornou-se nos últimos anos notada a nível nacional pela judicialização de diversos conflitos no nosso hospital. Fosse pelo ridículo de muitos deles, pela sistemática incompetência, ou pela simples falta de compreensão do sentido das leis, passou a imperar naquela casa a celebérrima Lei de Murphy: "Qualquer coisa que possa correr mal, correrá mesmo mal, e ainda por cima no pior momento possível".

Vem isto a propósito de mais um escândalo que promete fazer correr rios de tinta e dar azo a outras consequências a que já estamos habituados.

A bronca conta-se em poucas palavras. A administração da ULS, numa clara manobra de propaganda destinada à sua auto-preservação, anunciou pomposamente nas redes sociais a assinatura de um “contrato com a empresa de arquitetura da Guarda que venceu o concurso para a elaboração do projeto de requalificação do pavilhão cinco”, no âmbito de uma projetada obra de 2 milhões e meio de euros.

O problema é que há certas vaidades com perna curta que às vezes complicam mais do que ajudam. O ministro da Saúde confessou na Assembleia da República que não sabia de nada, dando o pontapé de saída para uma polémica que ainda vai no adro…

Logo saíram a terreiro cavaleiros e forcados, cada um a defender sua faena. De um lado, aqueles que exigem o respeito pelo direito ao esclarecimento e à transparência. Do outro, os boys do costume, agarradinhos à bandeirinha partidária, gritando a plenos pulmões “deixem-nos fazer obra”! Pelo meio, alguns cidadãos fazendo aquelas perguntas difíceis que nunca dão jeito nenhum em alturas destas…

Como o presidente da ULS, isto é, aquela personagem que detém o poder por trás do palco, é, na prática, o Dr. Álvaro Amaro, aqui vão uns recaditos para os forcados que costumeiramente respondem à sua voz de comando.

Não fica nada bem a ARS do Centro indicar à administração da ULS quatro firmas para serem consultadas no âmbito do projeto de arquitetura em causa e, o contrato ser depois celebrado com uma quinta firma que a ARS nem sequer indicou.

Não fica nada bem que essa quinta firma navegue por acaso na esfera, e passo a recorrer a uma expressão que já fez história na imprensa local, do “filho do construtor que emprestou a Álvaro Amaro a sede de campanha”.

Não fica nada bem à administração da ULS que, no seu fervor de mostrar obra futura, faça ajustes directos com uma firma de arquitetura sem sequer conhecer a obrigatoriedade de procedimentos mínimos pré-contratuais que aqui não vou elencar só para não perceberem aquilo que está para lhes cair em cima.

Não fica nada bem ao Dr. Álvaro Amaro, até pela experiência que já deveria ter destas coisas pelo seu extenso currículo na contratualização de ajustes diretos, não ter percebido ainda que no domínio da contratação pública há situações em que o concurso público constitui o procedimento que dá alento e substância aos princípios da concorrência, e que este caso da ULS era uma delas.

Não fica nada bem a todos nós que os tribunais já estejam em cima disto ou que a tutela insista em manter em funções uma administração hospitalar tão trapalhona.

Nem fica nada bem que alguns insinuem que o Dr. Álvaro Amaro, só porque tem olho para a coisa, julga que somos todos cegos.

E muito menos fica bem que se diga que um dia destes nem as papas e bolos os safam e que se não forem coisas piores, pelo menos das multas no Tribunal de Contas já não se livram.

Em política, o que parece é. Álvaro Amaro já deveria ter percebido que há na vida dois tipos de pessoas que podem dar cabo dos nossos projetos: os amigos incompetentes e os inimigos obstinados. Juntá-los no mesmo saco é o pior de dois mundos. Pior do que isso, só mesmo julgar-se que se tem um ajuste direto no papo. Ou então o rei na barriga.
 
(Crónica no jornal O Interior - 7 de Dezembro 2016)

quarta-feira, dezembro 07, 2016

Ponto de Vista


A um ano de eleições autárquicas, aí temos o país a comemorar em grande o Natal. De quatro em quatro anos é sempre o mesmo foguetório. Anunciava há dias um jornal diário que a maioria das capitais de distrito aumentou em 88% a despesa em iluminação. É obra! Mas não são apenas as luzes que fazem disparar os orçamentos natalícios.
Há igualmente que contar com os eventos. Cá pelo burgo não ficamos atrás desta febre de despesismo. Iluminações, carroceis, arruadas de camelos, batucadas, enfim, eventos de toda a ordem, mas de nível cultural de duvidosa qualidade. Tudo para encher os olhos e ouvidos dos guardenses com a ideia dos inúmeros visitantes que podem chegar. Podem!
Era interessante sabermos quanta da despesa feita tem efetivamente retorno e, já agora, quem lucra com toda esta festança. Acontece que a dificuldade em obter quaisquer dados por parte do executivo camarário é a regra, o que só abona em prol das suspeitas habituais de opacidade dos atos e da existência de clientelismos e de compadrio em todos estes processos.
Fiquemo-nos pelos dados que, mesmo sendo apenas referentes a ajustes diretos, vão sendo publicados na página oficial das contas da nação. Só na aquisição de serviços para o evento que antecipa de forma algo brejeira o fim do ano, vão gastar-se 67 500 euros! Somem-se a isto os gastos com publicidade, que incluem a contratação, pelo executivo camarário, de um prestador de serviços para a área da rádio e televisão. Nada mais, nada menos que 8 mil euros, mais uma vez por ajuste direto!
Mas há mais. A aquisição de serviços para um espetáculo de uma banda no TMG vai custar aos guardenses a módica quantia de 10 500 euros. O ajuste direto é feito a uma empresa sediada em Lisboa.
Depois lá virá de novo o «Anjo»! Para a realização do evento, sim, porque agora fala-se sempre de eventos, lá vem mais um ajuste direto no valor de 6 250 euros. Desta vez a beneficiária é uma empresa de Braga.
O facto de as empresas contratadas para os eventos serem sistematicamente de fora da Guarda, tornou-se, a par da inexistência de concursos públicos, na imagem de marca de Álvaro Amaro. Isso diz muito sobre o homem e o seu respeito pela gestão da coisa pública.
Até das coisas mais insignificantes Álvaro Amaro consegue fazer um evento. Uma vulgar meia-maratona, dessas que se organizam às dezenas por vilas e lugarejos de Portugal, vai custar ao erário público a módica quantia de quase 75 000 euros. Mais uma vez por ajuste direto. A responsável pela organização vai ser uma empresa de eventos e animação e turismo. Isso mesmo! Não é uma entidade desportiva. É uma empresa de eventos e animação! Está-se mesmo a ver o que vai ser a meia. Nem a peúga chegará, e a luva muito menos. E sempre por ajuste direto e menos de 75 000 euros…
E para que os guardenses não fiquem só a olhar para a grandiosidade do evento, lá estarão as luzinhas a enfeitar os arbustos, que isto de árvores é coisa que já vai rareando. Serão só mais 20 000 euros para lâmpadas e lamparinas! E mais 74 800 euros para serviços de comunicação, divulgação e promoção do Natal. Quanto ao aluguer das estruturas, a despesa vai custar a todos nós quase outros 75 000 euros, a somar a outro tantos para a aquisição de serviços para a conceção, organização e produção do Natal.
Se estiveram atentos, aperceberam-se de que todos estes gastos nunca ultrapassam o fatídico limite dos 75 000 euros, o tal que obrigaria a concursos públicos e ao escrutínio do Tribunal de Contas. Tratando-se de Álvaro Amaro, pessoa séria como ninguém, só pode ser coincidência, não é?
É caso para se dizer que é uma pena que os guardenses sejam tão acomodados e pouco ambiciosos. Por eles, Álvaro Amaro fazia tudo, e sem ter que prestar contas a Lisboa. Se lho pedíssemos, mandava vir mais umas tantas empresas de fora e até construía pontes, túneis, aeroportos e estações espaciais, aqui na Guarda. Ao intenso ritmo de um pilar de cada vez, claro. E sempre por menos de 75 mil euros cada um!
Um muito bom dia a todos.

(Crónica na Rádio F - 5 de Dezembro de 2016)

O que um regedor consegue fazer....


 
Fiquei estupefacto com uma notícia que em tudo revela a forma de ser e estar de um regedor que acredita que é o dono de tudo…
Refira-se que as notícias não são apenas apanágio e exclusivas dos meios de comunicação, há como se sabe muitas outras fontes!
Por vezes, as fontes servem de mote para investigações ou dissertações….
A «coisa» conta-se em poucas palavras.
Numa reunião do executivo camarário da Guarda, antes do dia da cidade, o regedor apresentou uma lista de instituições e personalidades que viriam a ser medalhados numa sessão pública.
A lista foi aprovada!
Não sei se por aclamação, também para o caso pouco importa.
Logo de seguida, o SNI da câmara da Guarda fez saber, através de decreto régio, os nomeados…
Não havia dúvidas dos nomes dos medalhados… preto no branco lá estavam em papel timbrado e com selo régio!
No dia da imposição das medalhas lá estavam perfilados os galardoados, bem aprumados, com fatos de alfaiate da capital, gravatas da praxe e com cheiro a sabão macaco tão em voga por estas alturas…
Mas, o estranho aconteceu…
Um dos cidadãos a quem a regedoria fez menção de atribuir a medalhinha, RECUSOU-A!
Isso mesmo, RECUSOU-A!
Vai daí, o regedor fez substituir o cidadão que ousou dizer NÃO À IMPOSIÇÃO e … espanto dos espantos, com a maior desfaçatez, o regedor ali mesmo substitui o cidadão por outro figurante, assim como quem substitui um guarda-chuva por um chapéu com penacho e tudo!
Muda apenas e tão só a … chuva pelo Sol!
Não sei, nem me interessa saber, se o regedor tem autoridade para fazer e desmanchar listas de medalhados, como quem desmancha um porco!
Não sei!
Mas se houve a atenção de levar a lista à anuência do executivo por alguma coisa foi, ou apenas para impressionar?
Talvez com receio que a mudança fosse notada pelos presentes, com tamanho acto de frontalidade do cidadão ao mandar às urtigas tal parolo acto das medalhinhas, o regedor fez logo ali o anúncio dos passadiços e da recuperação, limpeza e despoluição do «rio» Noéme…
Alguém sabe explicar ao regedor que o Noéme já não é rio?
FINDOU!
APAGOU-SE COMO RIO!
ESTÁ MORTO!
Estas manifestações de beijar o anel real, de bajulação e submissão aos poderes dão-me vómitos, abomino-as e pior, quando acompanhadas de imposições medalhísticas!
HAJA RESPEITO PELA INTELIGÊNCIA DAS PESSOAS!
E bem pior quando não há a frontalidade de se anunciar que um cidadão RECUSOU entrar na palhaçada, por um lado, e por outro dar a conhecer que tinha sido substituído por outro cidadão como num qualquer jogo de futebol, sendo que o chefe é que decidiu fazer a troca sem passar cavaco a quem quer que fosse…
Assim vai a democracia por terras de «beira serra»!

terça-feira, dezembro 06, 2016

Um «passeio»


http://ionline.sapo.pt/537085?source=social
 
 
Marcelo «visitou» a UBI!
A visita enquadrou-se no «programa» Portugal Próximo!
«Ouvir as pessoas»!
Será que quis ouvir os promotores de um encontro sobre a Independência do Saara e que foi PROBIDO PALA UNIVERSIDADE?
DEIXA-TE DE TRETAS E AFECTOS!...
HONESTO E SÉRIO UMA VEZ NA VIDA!
REFORÇO DE VERBAS?
POIS....

Um «novo» punho?


sexta-feira, dezembro 02, 2016

Ponto de Vista


Deram à estampa novos estudos sobre a pobreza em Portugal, precisamente quando, no Parlamento, se aprovava mais um orçamento no meio das agora denominadas “disfuncionalidades cognitivas permanentes”.

À margem do espetáculo político, Manuel Carvas Guedes, responsável pela Sociedade de São Vicente de São Paulo do Porto, que apoia mais de 13 mil famílias todos os anos, garante que há inúmeras “Crianças que não tomam o seu leite quando deviam tomar, não comem fruta, não comem carne e outros alimentos que são essenciais para o seu desenvolvimento” e que há "muitas situações de jovens a meio dos seus cursos superiores, em que os pais ficaram desempregados e não conseguem continuar a pagar os estudos”.

Por seu lado, o Instituto Nacional de Estatística informa secamente que uma em cada cinco pessoas em Portugal é pobre. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento divulgado pelo Instituto revela que o número de idosos que vivem em privação material aumentou entre 2013 e 2014, atingindo um em cada quatro. Em 2013, último ano com dados disponíveis e trabalhados, "a proporção mais elevada de pessoas em privação material" encontrava-se no grupo dos menores de 18 anos (27%), situação já observada em anos anteriores, mas foi sobretudo a proporção de idosos em privação material a que mais cresceu entre 2013 e 2014 (de 23% para 25%)".

Os dados do INE estabelecem Portugal como o país mais desigual na Europa, com cerca de cinco milhões de portugueses em risco de pobreza. Cerca de 70% das pessoas em risco de pobreza e em privação material não têm capacidade financeira para realizar exames e tratamentos médicos. Em 2014, 6% da população com 16 ou mais anos referiu que, em pelo menos uma ocasião, necessitou de cuidados médicos e não os recebeu, e 19% necessitou de cuidados dentários e não os recebeu. A falta de disponibilidade financeira foi a principal razão apontada para a não realização dos exames e tratamentos médicos ou dentários necessários, o que atinge particularmente as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.

Para que não se julgue que subsiste um erro de perspetiva por parte do INE, Portugal foi, segundo o Relatório da Crise da Cáritas Europa 2015, o país europeu em que mais aumentou o risco de pobreza e de exclusão social em 2014, logo seguido pela Grécia, batendo ainda Chipre, a Irlanda, a Itália, a Roménia e a Espanha neste campeonato da desgraça. Esse risco subiu 2,1 pontos percentuais, para 27,5%, contra uma média de 24,5% na UE.

Outro dado relevante é que Portugal, apesar de toda a austeridade e de todos os sacrifícios pedidos, tem a segunda maior dívida pública em comparação com o PIB (128%) logo a seguir à Grécia (175%).

A Cáritas adverte ainda que "um número significativo de pessoas empregadas" não está abrangido pelas redes de segurança normais, como as prestações de desemprego ou a assistência social, e que é preciso assegurar de "uma vez por todas e sem qualquer preconceito" um rendimento mínimo para todas as pessoas que lhes permita "viver com dignidade" e reduzir as desigualdades, "criando emprego a médio prazo". Para isto ser possível, a riqueza gerada tem de ser distribuída "com justiça" e têm de ser criadas condições para um "combate eficaz à evasão fiscal" e para que haja "taxas justas e equilibradas para todos os sectores da sociedade" e "um equilíbrio justo na repartição dos sacrifícios", defendeu. O relatório baseia-se na combinação dos números oficiais do Eurostat e dos institutos nacionais de estatística com a informação recolhida "no terreno" pelas Cáritas existentes nestes países, proporcionando "uma temperatura muito precisa da situação socioeconómica da população", desde a classe média até aos mais vulneráveis.

Face ao contraste entre esta triste realidade e o resto, como diria qualquer simples homem do povo, alguém que explique por favor aos nossos deputados que “na prática a teoria é outra”.
Muito bom dia a todos.
 
(Crónica Rádio F -28 de Novembro 2016)

quinta-feira, dezembro 01, 2016

Reacção alérgica


Ponto de Vista

A recente vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas não tem apenas impacto na vida dos seus concidadãos. Pela natureza do cargo, por estar em causa a maior potência militar do mundo, e por outras inúmeras razões que aqui não vou elencar, esta vitória não deixará de ter implicações na vida dos restantes habitantes do planeta. Quer isto dizer que não há forma de ignoramos o assunto, como aliás se demonstra à saciedade através de um simples passeio pelos debates acalorados que incendeiam as redes sociais.
O filósofo Immanuel Kant, autor da célebre obra «Crítica da razão pura», foi o criador de um primeiro sistema interpretativo do período moderno. Tomou para o efeito em consideração o impacto nas nossas vidas da Revolução Científica e do Iluminismo. Depois dele muita coisa mudou e do iluminismo revolucionário e progressista de Kant passou-se àquilo que é hoje denominado de populismo.
O populismo é um conceito difuso e algo viscoso que, pelas suas características e adaptabilidade, pode estender-se a qualquer campo de análise, nomeadamente à vida política. Tradicionalmente designa uma ideologia caracterizada por uma hostilidade às elites e por uma alegada devoção ao povo. Segundo essa ideologia o que define as elites é - para além dos seus privilégios - o seu egoísmo, carácter corrupto e desprezo pela pessoa comum. Para o populismo, às pessoas associa-se uma natureza virtuosa inquestionável, em contraponto ao seu estatuto de vítimas dessas elites.
O populismo tradicional, para mais fácil adaptação às suas próprias necessidades, foi sempre caracterizado pela rejeição da divisão entre esquerda e direita e pela desconfiança do pluralismo político. Assenta na fé num líder capaz de incorporar-se às pessoas e de expressar os seus desejos. Todas estas características que descrevi são típicas do fascismo, independentemente de não serem as únicas nem exclusivas dele.
Por essa razão estes populismos sempre foram encarados com desconfiança por parte da esquerda democrática. Nos últimos anos, no entanto, incrivelmente, talvez por pragmatismo ou até desespero, alguns pensadores de esquerda também o têm reivindicado. Basta olharmos para o caso da Venezuela.
O populismo é uma ideologia oca, sem conteúdo, mas é exatamente aí que reside a sua principal virtude, uma vez que ele é capaz de acomodar toda a frustração e raiva dos oprimidos contra as insuficiências das instituições democráticas, incapazes de responder às questões sociais que dilaceram a vida das pessoas comuns.
É aí que reside o erro, inconsistência, ou hipocrisia da coisa. A pergunta a fazer é: “como é que sabemos que o populismo é bom”? De facto, não há bom ou mau populismo! Há apenas populismo!
O problema de tudo isto é que a democracia, pensada há mais de 2 mil anos e posteriormente catapultada para a História moderna pelo Iluminismo de Kant e de muitos outros, é intrinsecamente incompatível com o populismo, pese embora estar ritualmente cada vez mais associada a ele.
O escritor judeu Elie Wisel, sobrevivente dos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald e vencedor do prémio Nobel da paz de 1986, afirmou um dia, numa altura em que os populismos já haviam criado vítimas suficientes para ser impossível desprezar a sua existência histórica, que esquecer os mortos seria o mesmo que matá-los uma segunda vez.
Não quero com isto dizer que Donald Trump é um assassino ou que virá a sê-lo. Mas é inegável que se comporta como um fascista anti-islâmico, usou o racismo para chegar ao poder, propôs deportações em massa, defendeu documentos de identificação específicos para muçulmanos, prometeu tornar a América novamente grande e culpa mexicanos, muçulmanos e outras minorias pelos problemas que afligem o país.

Onde se lê “muçulmano” ”leia-se “judeu” e teremos comprado um bilhete lá para os idos de 1933. Tal como então, já não é só a democracia que está em causa. Arriscamo-nos a ser todos nós… 
Muito bom dia para todos.

(Crónica na Rádio F - 14 de Novembro de 2016)

quarta-feira, novembro 30, 2016

Os macacos

 
«O presidente da Câmara Municipal da Guarda, Álvaro Amaro, anunciou, na sessão solene comemorativa do aniversário da cidade, dois projectos ambientais para o concelho, um relacionado com a despoluição dos rios Noéme e Diz e outro com a criação dos Passadiços do Mondego. Os dois projectos deverão custar cerca de três milhões de euros.
Quanto à despoluição dos rios, Álvaro Amaro referiu que o estudo prévio vai ser apresentado e alertou que as empresas devem ter mais cuidado porque não quer a água dos rios com várias cores.
Já no que diz respeito aos passadiços do Mondego, o presidente da Câmara da Guarda considera que se trata de um projecto ambicioso e importante para o turismo de natureza.
Municipio da Guarda vai investir cerca de 3 milhões de euros para despoluir os rios Diz e Noéme e criar 11 quilómetros de passadiços e de pontes suspensas no vale do rio Mondego.»


Até pode ser que haja capacidade para construir os ... passadiços!
Mas do que o executivo não se livra é da cópia de tudo e nada.
Copiou-se a cidade Natal!
Copiaram-se as estatuetas!
Copiou-se a Feira das vaidades!...
Copiou-se a Feira Ibérica....
Chegam os «passadiços»!
Já agora .... qual a sua localização?
Vale do Mondego? Saberá o «regedor» que o vale tem uma extensão .... enorme?
E onde haverá local em que o rio Mondego tenha leito para os passadiços?
Este executivo ficará na estória como «macaco de imitação» entre outros epítetos!

COMEMORAR UM GÉNIO EM DIA DA SUA MORTE: FERNANDO PESSOA!


 
Até pode parecer um desassossego, mas não o é!
É a prova do reconhecimento do seu inegualável valor.
LEIAM E APRENDAM, SE QUISEREM, CLARO!...
Ninguém vos obriga!

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

 

terça-feira, novembro 29, 2016

Uma BOA tarde

(Re)Lendo




A LÁGRIMA

- Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Cloreto de sódio, água e albumina…
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!

- A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina.

- O farmacêutico me obtemperou. -
Vem-me então à lembrança o pai Ioiô
Na ânsia psíquica da última eficácia!

E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!

 (Augusto dos Anjos)

(Como ainda é possível não respeitar um poeta?
A poesia é a forma mais nobre da escrita!)

 
 

Lembrando


Um texto magnífico que devia merecer uma leitura atenta de todos e, em especial, dos mais novos.
 

Incendiar a Tabacaria

Álvaro, Ricardo, Bernardo, Alberto, Fernando,
sentaram-te ali no Chiado, mãozinha ridícula pousada na mesa, nem o prazer de um cigarro, nem o copo de vinho, de aguardente ou de absinto. Nem poesia, nem chocolates. Só lojas, gente feia, turistas sem metafísica que vão sentar-se a teu lado, dar-te a mão e tirar fotografias como se tu pudesses algum dia ser uma imagem.
Sentaram-te ali, muito direito como tu nunca foste, porque tinhas sempre os ombros curvados como aqueles que não se podem enganar a si mesmos sobre a inutilidade de todos os gestos, sobre a impossibilidade de todos os sonhos, sobre o absurdo de todo o existir.
Puseram-te ali à mão de semear de turistas, consumistas, artistas de rua, logo tu que tinhas uma repugnância total por todos os que não percebiam à partida a sua derrota. Logo tu, que sabias ser irónico e mordaz, logo tu que não perdoavas o logro. Logo tu...

Ah Fernando o que eu gostava era de te ver levantar dali daquela cadeira de pedra e distribuir lambada e pontapés, numa violência que este tempo condena. E chocar as esplanadas ociosas que te contemplam sem te ver. Gostava era de te ver percorrer as livrarias, as editoras, vir aqui a esta casa museu onde te enterraram para dar emprego a uns quantos maus escritores, e queimar tudo isto. Queimar tudo. Queimar, como Virgílio queria fazer com a Eneida, porque percebeu, como tu, que nenhum homem, nem mesmo os poetas geniais, podem tocar o absoluto.
Nos quartos onde tu viveste miseravelmente erguem-se agora senhoras e senhores gordos que querem ser teus donos. E escrevem livros e fazem colóquios a ensinar-te. A ensinar-Te, calcula tu?
E vendem-se a bom preço uns bonecos esfíngicos do que se pretende teres sido tu: silhueta preta, oculinhos, chapéu. Vendem-te, Fernando. Vendem-te e vendem-te. Uns como conhecimento, outros como objecto “made in china”, para pôr no frigorífico, para beber leite, para compor a estante.
A pouco e pouco as tuas palavras desaparecem sob as palavras que outros querem que tu digas. Sobre a poesia que dizem que tu escreveste. A pouco e pouco desapareces sob a imagem que o Almada fez de ti e onde tu já não habitas. Alguma vez habitaste? Como poderias? Tu que fugiste de todas as imagens, de todas as utopias.
Continuam a querer-te casado com a tal da Ofelinha, ou maricas, mas sempre quotidiano e fútil. Qualquer coisa que sirva para nós sentirmos que te possuímos. Como se a poesia fosse coisa que se tivesse ou não tivesse.

Arranjaram-te tantos heterónimos quantos estudiosos e viúvas e viúvos. Cada um quer achar o seu e dar-te mais um nome. Porque achar um nome é achar uma prisão. Querem-te ali sempre igual à imagem que inventaram para ti. Mas que não é a tua. Tu não tens imagem.
Queria era ver-te aqui a desmentir-nos a todos, com as tuas roupas elegantes e velhas, a tua falta de dinheiro, o teu cansaço, o teu desespero. Queria ver-te aqui quando eras um homem ignorado pelas mulheres e bebias copos solitários e rias e não eras um mito. É provável que nos fôssemos logo todos embora. Eras um bocado excêntrico, solitário, exalavas derrota e as pessoas não gostam disso. As pessoas só gostam do sucesso. E até fizeram de ti um morto de sucesso.
Ao velho que serias hoje ninguém daria lugar no eléctrico. Terias uma reforma miserável de 500 euros e é provável que não encontrasses editora que olhasse duas vezes para os teus poemas. És demasiado simbólico, metafisico, confessional. És muito pouco coloquial. Terias que dar uma no Ezra (Pound) e outra no T.S. (Eliot). Terias que ser cool, ter hype, aparecer nas revistas, ir à televisão. E tu não tinhas jeito para isso.
Não ias em modas, nem saberias como ir. Eras frágil, tímido, tinhas vergonha de existir.
Esta gente que hoje te celebra não gostaria de ti. Porque esta gente, os tais da nossa pátria, a Língua Portuguesa, gostam é da Matilde Campilho e do  Valter Hugo Mãe, e de poesia com trocadilhos do Caralho.

O mundo, como sabes, está cheio de génios e os génios são sempre aqueles que estão perto do poder. Se vivesses hoje em Lisboa não terias dinheiro sequer para pagar um quarto, porque estão todos alugados aos turistas que vêm sentar-se e dar a mão flácida à tua estátua. Não terias certamente o Esteves na tabacaria e quase não terias jornais.
E estamos hoje aqui, Fernando António Nogueira Pessoa, para te matar mais uma vez. 

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[Texto lido hoje na Casa Fernando Pessoa na apresentação da edição da Tabacaria da Guerra&Paz a quem agradeço a ousadia de me convidar quando o meio literário português se esforça para que eu desapareça.]

Joana Emídio Marques