quinta-feira, junho 13, 2024

Ponto de vista

 Hoje celebra-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. De uma vez por todas, o 10 de Junho deve ser o Dia de Camões. Tenha nascido, ou morrido nessa data. E ao dizer-se que o 10 de Junho é o dia de Camões está-se a prestar homenagem a Portugal, aos portugueses, à cultura lusófona e à presença portuguesa por todo o mundo. Ao longo dos tempos e em consonância com os mandantes do reino ou da república, assim se adaptou a data aos interesses dos instalados. A primeira referência ao caráter festivo do dia 10 de Junho é no ano 1880 por um decreto real de D. Luís I que declara "Dia de Festa Nacional e de Grande Gala" para comemorar os 300 anos da hipotética data da morte de Luís de Camões. Após a implantação da República passou a consagrar-se o dia 10 de Junho como feriado nacional. Durante o Estado Novo o 10 de Junho foi particularmente exaltado pelo regime, tendo sido elevado a feriado nacional, como o «Dia de Camões, de Portugal e da Raça» um epíteto criado por Salazar na inauguração do Estádio Nacional do Jamor em 1944. A partir de 1963, o 10 de Junho tornou-se numa homenagem às Forças Armadas Portuguesas, numa exaltação da guerra e do poder colonial. O Estado Novo nunca terá uma relação fácil com a data, por ter origem republicana democrática, mas dará seguimento a um dos aspectos que surgia nos últimos anos da Primeira República: a Festa da Raça. Esta seguia uma ideia de nacionalismo vinculado que se tornava popular na Europa da década de 1920 e daria origem ao Fascismo. O regime republicano nunca definiu bem o que queria dizer com raça, mas o facto de muitas discussões nas conferências da altura fazerem referência à frenologia e às alegadas virtudes de umas raças por comparação com as outras escancarou a porta para a eugenia tão em voga nessa época. O regime irá reforçar ainda mais a ideia, embora os interesses em torno da raça de Salazar sejam canalizados noutras celebrações. É, no entanto, em 1958 que se inaugura uma tradição que ainda hoje se mantém: o Presidente da República começou a entregar no 10 de Junho cumprimentos e condecorações aos cidadãos nacionais. Inicialmente centrou-se nos professores primários. Depois estendeu-se a outros campos da sociedade portuguesa. Em 1961 começa a Guerra Colonial. A tónica do “Dia da Raça” é acentuada ainda mais e o foco das condecorações a partir de 1963 passa a ser em todos os que combateram no conflito ou de alguma forma serviram as colónias. É o dia da patética cerimónia das medalhinhas em plena Praça do dito Império. Escabrosa e ridícula cerimónia. Se em 1880 o dia começara como uma celebração nacional e de paz entre os povos, agora era assumidamente um acto simbólico de guerra. Após o 25 de Abril de 1974 e com uma filosofia diferente, o 10 de Junho passou a designar-se Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Desde 1977 dezenas de cidades de Portugal já receberam as comemorações oficiais do 10 de Junho. Lembrando que a cidade da Guarda recebeu a primeira das novas celebrações. E foi na Guarda que o escritor e professor universitário Jorge de Sena fez aquele que para nós continua a ser o mais brilhante discurso sobre Camões e o seu dia. Importa que de uma vez por todas se limpem as teias de aranha que inundam a obra de Camões e se dê a conhecer à juventude o valor que Camões tem e que infelizmente continua tão desprezado. Camões não é apenas e tão-só o épico em “Os Lusíadas”. O que só por si já teria um valor ímpar. Importa que se dê a conhecer um Camões poeta do futuro — e não um poeta do passado, anacrónico ou nostálgico. Camões é o maior poeta em português, como salientou Jorge de Sena,. É urgente e necessário para se entender a obra de Camões que se compreenda que ele está muito acima do seu tempo. É verdade que se sabe pouco do ponto de vista estritamente biográfico de Camões, mas Sena diz que podemos saber muito através dos seus textos, se os soubermos ler. E o que ele vê nesses textos de Camões é, de facto, uma enorme erudição. Saber ler Camões é importante, desde logo entender que o poeta não só tinha conhecimento da poesia e do pensamento do seu tempo, como do anterior, mas também de várias influências judaicas, gregas, das mitologias e do maravilhoso cristão, nas palavras de Jorge de Sena. É através dos termos usados por Camões que se conhecem as influências e aquilo que está por trás do que é escrito. Se realmente tivessem compreendido Camões no seu tempo, os inquisidores tê-lo-iam queimado. Porque, na verdade, há um lado herético fortíssimo em toda a obra, muito diferente da visão do seu tempo e que tem uma inspiração universalista muito forte, acrescenta Jorge de Sena. Consagre-se então o dia 10 de Junho como o Dia de Camões, começando por ensinar à juventude a ler e a saber interpretar a obra do imortal escritor. Se tal lhes interessar, como é óbvio.

Tenham um bom feriado e uma excelente semana.