quinta-feira, junho 20, 2024

Ponto de vista

 Ponto de vista

Terminado mais um ano lectivo logo o Governo da AD anunciou um plano para sossegar pais e encarregados de educação face ao caos que se vive nas escolas. Anuncia-se o “Plano+Aulas+Sucesso” como panaceia para todos os problemas do sistema de ensino. Importa como princípio da análise lembrar que a maioria das democracias ocidentais acordou tarde à falta estrutural dos professores. Portugal está na linha da frente dos que mais se atrasaram. A letargia em inovar, responsabilizar e valorizar tudo o que tem a ver com o Sistema Educacional em Portugal conduziu ao estado caótico que se vive nas nossas escolas. Segundo dados do Governo havia em Portugal, a 31 de Maio de 2024, 22 116 alunos sem aulas a uma disciplina.

Dizer-se que se vai reduzir em pelo menos 90% o número de alunos sem aulas é um embuste. O “Plano+Aulas+Sucesso” é a demonstração mais que evidente do desnorte e do desespero dos governantes. Quando é que os alunos afectados pela inépcia e inércia dos governantes vão recuperar das aprendizagens em falta? Algumas das medidas anunciadas são previsivelmente ineficazes, e outras são omitidas talvez por devoção, vocação ou por coacção. Que dizer das que se dirigem aos exaustos professores que se aposentam, aos exaustos professores a quem se propõe até dez horas extraordinárias, ou no apoio administrativo aos directores de turma? É tudo surreal.

Prolongar a docência para além da idade da reforma a troco de uns 750 euros brutos é um insulto à inteligência de todos, professores e cidadãos em geral.

Teorizar sobre a falta de professores com o recurso aos bolseiros do ensino superior e bolsas de estudo para a formação inicial de professores é iludir os cidadãos. Os cursos de formação inicial de professores invariavelmente ano, após ano, ficam desertos. Quem é o jovem que quer uma profissão desvalorizada? Falar-se de um “Plano+Aulas+Sucesso” sem uma única referência aos currículos, quantos deles desatualizados, nada motivadores para os alunos e desfasados da realidade é sonegar o caos que se vive nas escolas. Mas há igualmente que ter a coragem de apresentar uma reforma do actual modelo de gestão das escolas caduco e antidemocrático onde a transparência é coisa negada. E onde o servilismo, desde ao poder central, passando pela subordinação dos vários agentes até à nova modalidade, a municipalização é mais que evidente.

O reforço da autonomia das escolas, o que, evidentemente, não é igual à municipalização, deve passar, desde logo, pela maior democratização de todo o processo de eleição dos órgãos de gestão. Um órgão de gestão não é, não pode ser exercido de forma autoritária, antidemocrática, pois o processo assim definido é transversal a todo o sistema e facilmente o contamina. Convinha nesta altura avaliar o processo de municipalização. Seria interessante considerar os resultados de experiências de "municipalização" realizadas noutros países cujos resultados estão longe de ser convincentes.

Na Suécia, por exemplo, está a assistir-se justamente a um movimento de "recentralização" considerando os resultados, maus, obtidos com a experiência de municipalização. Já que na educação em Portugal tudo se copia do estrangeiro, então analise-se o que se está a passar em países que estão em patamares muito mais elevados que o nosso.

Aprenda-se!

O envolvimento das autarquias nas escolas e agrupamentos, designadamente em matérias como as direcções escolares, os Conselhos Gerais ou a colocação de funcionários e docentes, tem mostrado variadíssimos exemplos de caciquismo, tentativas de controlo político, “amiguismo” face a interesses locais. O controlo das escolas é uma enorme tentação. Ainda nesta matéria e dados os recursos económicos que se anunciam através das verbas comunitárias para além dos dinheiros públicos, e o que tem sido realizado nos projectos em curso parece clara a intenção política de aumentar a intervenção de entidades e estruturas privadas que já existem nas escolas, muitas vezes com resultados pouco positivos, caso de apoios educativos a alunos com necessidades educativas especiais e do recurso a empresas de prestação de serviços ou cantinas escolares. Um modelo com estas características, estruturas e entidades privadas a intervir em escolas públicas, só é garantidamente bom para as entidades a contratar, não, muito provavelmente, para alunos, professores e escolas.

A “municipalização” será um incremento e apoio a alguns nichos de mercado através do compadrio e do interesse particular com vantagens óbvias para os interesses instalados. Mais uma vez, confundir autonomia com descentralização traduzida em municipalização foi criar um equívoco perigoso que, entre outras consequências, vai dar alguma cobertura a alguns negócios da educação. É só estar atento ao que se passa em tantas outras áreas da sociedade.

Assim, só podemos concluir que o plano agora apresentado é apenas e tão-só redutor.

Omite outra questão que está no cerne do estado da educação em Portugal: o clima escolar.

Soube-se recentemente que o risco de pobreza dos cidadãos com menos de 18 anos subiu para os 23%. Lembrar que este número reflete a situação financeira em que vivem as famílias.

Depois admiram-se com o fraco desempenho dos alunos. Que futuro os espera? Como encarar esta sociedade que privilegia a casta e os filhos com emprego certo e seguro? Mão de obra barata de um sistema cada vez mais exigente no recrutamento dos trabalhadores e pagando ordenados de miséria. Que futuro é prometido? Viver até aos trinta e mais anos na dependência dos parcos recursos da família? Sem possibilidade de a constituir, ter uma habitação condigna e um ordenado que possibilite usufruir dos mais elementares direitos.

O dito plano devia desde logo ser muito mais abrangente.

A este plano, para ser mais falacioso, só faltam prendas iguais às que um ex-primeiro-ministro António Costa prometeu aos jovens estudantes: devolução de propinas, cheque-livro, férias na rede das pousadas da juventude e quatro bilhetes de comboio. De uma vez por todas, vejam se entendem que uma aprendizagem séria é a mola real para o desenvolvimento de um país.

Cansados de tanto ilusionismo.

Tenham uma excelente semana.