sexta-feira, junho 28, 2024

Ponto de vista

 O actual Governo da AD navega ao sabor dos ventos. Surge um problema e logo se apresenta um plano. Por que caminho é que seguimos? Será que sabemos para onde vamos? Na vida, para chegarmos a bom porto é preciso saber aonde os ventos nos levam, navegando, quando necessário, à bolina.
E assim segue a política sem resolução prática dos graves problemas que afectam a grande maioria dos portugueses, saúde, educação, emprego, habitação, poder de compra, justiça, só para citar alguns.
Com estas velas navega-se também no permeio das declarações, decisões, contradições que apanham aqui e ali os senhores das opiniões publicadas e os comentadores das políticas do tipo pítia com guiões de novelas do tipo mexicano, mais ou menos enredadas, que se vão a enrolar ou desenrolar consoante o final que gostariam que acontecesse. Lá vão a aproveitar o rumo dos ventos com determinação. Uns, para alcançarem o poder, outros para ajudarem aqueles outros a alcançá-lo. Só que os portugueses começaram a entrar em regime de mareamento, ou seja, enjoo com tanta navegação à bolina.
E face a tantos e tantos casos, uns terminados, outros em fase de audições e adiamentos de toda a natureza, eis que surge o plano anticorrupção negociado segundo se diz entre os partidos. Estranhamente, ou talvez não, um plano negociado com os mais directamente interessados na actividade.
Portugal tem leis anticorrupção das mais avançadas e completas da Europa só que não são aplicadas.
Organismos internacionais denunciam a corrupção em Portugal. Um relatório do Parlamento Europeu refere que o montante perdido para a corrupção supera o orçamento anual para a Saúde e é dez vezes superior às despesas com o desemprego. Se fosse redistribuído por toda a população portuguesa, o valor perdido para a corrupção daria 1 763 euros por ano a cada português.
Mas não se julgue que a corrupção só se verifica ao nível político. Longe disso. Desde os ditos favores concedidos nas repartições, onde os salários dos funcionários são miseráveis, logo propícios a todo o tipo de fraude, à burocracia, à acumulação indevida de actividades, passando pelos almoços e jantares de presidentes de câmara com hipotéticos investidores, até aos fundos europeus que são a maior fonte de corrupção e chegando aos políticos decisores das instituições de maior gabarito a corrupção campeia e é pasto da avidez e enriquecimento ilícito de muitos.
Os sinais exteriores de riqueza são mais que muitos sem que nada nem ninguém ouse incomodá-los. E se um cidadão procura saber a razão de tanto gamanço logo se levantam barreiras e ameaças de toda a ordem.
É a dita transparência tão propagandeada aos sete ventos! Anunciam-se 31 medidas de anticorrupção. Mas não há prazo para a entrada em vigor das tais medidas. Então para que as anunciaram?
Mais areia para os olhos dos portugueses. As medidas agora anunciadas, nomeadamente a legalização do lobbying não é mais do que permitir o tráfico de influências já tão usado. É tornar legal o crime.
Deixar de fora do plano apresentado os “offshore”, os paraísos fiscais são mais um expediente para enganar os incautos cidadãos.
E quem acredita no confisco de bens que resultem de actividade à margem da lei? Mas a lei já existe, só que não é, mais uma vez, aplicada.
Fala-se do aumento da transparência através do portal Base? Mais e mais ajustes directos que contemplem as empresas amigas sem concursos ou com falaciosas formas de contratualização?
O plano é mais uma vez vago e sem qualquer aplicação prática. Apenas e tão-só um paliativo genérico que procura aliviar uma gangrena que beneficia os mesmos de sempre, os donos disto tudo!
As hipocrisias são mais que muitas.
E por fim que dizer do objectivo da educação para a prevenção da corrupção? Educar onde e como?
A corrupção é já um problema estrutural e não cultural.
O amiguismo, o facilitismo, o jeitinho, características tão próprias do ser português, são também elas – não tenho a mais pequena dúvida disso – o embrião perfeito das práticas corruptivas.
O Estado mediante todos os níveis de ensino devia ter um papel fundamental na estruturação de programas educativos que enfrentassem esta realidade de modo muito clara e quanto mais prematura, melhor.
Mas duvida-se da intenção. Basta lembramo-nos do caso da disciplina de Formação Cívica tão criticada e abusivamente colocada em questão. Educar para a corrupção? Não brinquem com coisas sérias. Para que não se julgue que é tudo mau, saliente-se, ao nível da proteção do setor público, positiva a intenção de garantir “que as nomeações em regime de substituição sejam acompanhadas da abertura de concurso público para preenchimento das vagas”.
Só importa saber se esses concursos não são eles também mais uma forma de corrupção como já acontece.
Mais de 30 medidas sem data para entrarem em vigor enquanto os gabinetes de advogados vão a estudar os alçapões e os beneficiários arrumando a sua alegre vidinha.
Como esta é a última crónica antes da interrupção para férias fica o meu voto de bom e tranquilo período.