domingo, novembro 12, 2023

Ponto de vista

 O que neste momento acontece nos vários hospitais do país devia preocupar seriamente todos os portugueses.
O caos chegou. Urgências fechadas. Consultas e cirurgias nas mais variadas especialidades adiadas.
A reforma do Serviço Nacional de Saúde, e a sua dignificação, só é possível com médicos motivados e respeitados, e devidamente valorizados dada a sua responsabilidade.
Mais do que nunca, cabe agora ao Governo assumir que é necessário resolver a maior crise em que o Governo colocou o Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente com a falta de médicos para assegurar escalas da maioria dos Serviços de Urgência do país. A ruptura dos serviços hospitalares deu-se com prejuízo para os utentes e agrava-se a cada dia. Hoje há mais de 2 milhões de portugueses sem médico de família. Mas em simultâneo há falta de médicos de família! Há uma vaga de aposentações dos médicos.
Um em cada quatro médicos tem mais de 65 anos e 5 000 médicos vão aposentar-se até 2030. Não há médicos para os substituir. A situação vem-se a avolumar ano após ano. A explicação encontramo-la na falta de atrativo do Serviço Nacional de Saúde para reter os médicos de família recém-formados e para atrair os que estão atualmente fora do serviço público. É preciso formar mais médicos, concorda-se em absoluto com o Director do Serviço Nacional de Saúde. Como consequência destes dois fatores, todo o sistema que deveria ser baseado nos cuidados de saúde primários passa o foco para os hospitais e serviços de urgência, que também têm falta de recursos humanos e não estão concebidos para este tipo de resposta.
E, por fim, mas a pior de todas as consequências, o esgotamento dos médicos, enfermeiros e restante pessoal do Serviço Nacional de Saúde. Lembrar que também os enfermeiros estão em greve com reivindicações muito semelhantes à dos médicos. É o esgotamento e o consequente caos em várias especialidades e o encerramento dos serviços de urgência em conjunto. Pode um ministro vir dizer que o serviço está a dar resposta mesmo em situação de caos? Pode até dizer que se vive no melhor dos mundos, mas é tudo uma falácia para enganar os portugueses. A desorganização é de tal ordem que o próprio serviço da Linha Saúde 24 sem qualquer ligação aos hospitais como se impunha, envia utentes para hospitais com urgências encerradas.
Com o caos instalado os cidadãos com algumas posses financeiras procuram na oferta ilusória do privado resposta ao problema. Lembrar que os limites dos seguros não tratam os cidadãos a partir de certo valor. Logo, a resposta do privado também não será uma solução total, mas apenas e tão-só parcial e a beneficiar, mais uma vez, os que os podem pagar. Muito se tem falado do aumento que o orçamento da saúde tem sofrido ao longo dos anos. O problema não é o dinheiro que está no orçamento da saúde. O problema é saber para onde vai o dinheiro do Serviço Nacional de Saúde. Quanto é que desse dinheiro se estão a pagar subcontratações, valores exorbitantes a tarefeiros e com vários serviços contratualizados a empresas privadas? Importa que o governo entenda que a atratividade de médicos e enfermeiros passa por garantir a recuperação do poder de compra das remunerações dos profissionais de saúde.
No caso dos médicos, a remuneração média base líquida perdeu, entre 2011 e 2023, mais 30% do seu poder de compra, segundo dados da própria Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.
Não somos hipócritas e como defendemos a recuperação do poder de compra dos médicos também a defendemos para os restantes trabalhadores e bem como para os pensionistas. Importa igualmente que Costa/Medina/Pizarro percebam que as doenças quase imediatamente fatais noutros tempos, agora com a aplicação de novos medicamentos e dispositivos médicos, tornaram-se doenças crónicas ou é possível prolongar a vida por mais anos. Mas isso “consome” mais consultas, mais exames, mais dispositivos médicos, mais cirurgias complexas, mais tempo de médicos, mais competências e mais tempo por doente. Só assim foi possível no nosso país aumentar muito a esperança de vida à nascença, entre 1975 e 2022, de 68 anos para 81 anos e reduzir muito a mortalidade infantil, entre 1975 e 2022, diminuiu de 11 para 3 por mil, obtendo enormes ganhos de saúde, verdadeiras conquistas civilizacionais.
E tudo isto está agora em risco devido à falta de profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente de médicos. O governo ao esmagar as remunerações nos médicos, e a recusar a recuperação do poder de compra perdido, estará, objetivamente, a expulsar mais médicos do Serviço Nacional de Saúde, a destruir este, e a promover o negócio privado da saúde, e a dificultar ainda mais o acesso a serviços de saúde da maioria dos portugueses, agravando mais as suas já difíceis vidas.
E tudo isto para reduzir freneticamente a dívida pública a que Marcelo também deu a sua bênção em declarações públicas, e mais uma vez tornando-se no menino subserviente e bem-comportado face às directrizes dos tecnocratas de Bruxelas.
Tenham uma boa semana.