O Governo central face à grave crise que se vive na habitação decidiu acordar para o problema e anunciou esta semana um conjunto de medidas. A Constituição da República Portuguesa no seu artigo sexagésimo quinto, capítulo referente a Direitos e Deveres sociais e no que à habitação e urbanismo diz respeito, define claramente e sem equívocos os deveres do estado. Diz-se nomeadamente no ponto 1 do citado artigo que, e passo a citar: «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar» fim de citação. Elucidativo e sem necessidade de qualquer explicação. Mas a Constituição portuguesa vai mais longe e aponta os deveres do estado para a prossecução desse preceito constitucional. No ponto 2 do mesmo artigo diz-se e passo a citar: «Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: 1) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; 2) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; 3) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; 4) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução». Fim de citação. Para mais à frente no ponto 3 dizer-se que, e passo a citar: «O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria» e no ponto 4 é dito que: «O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística». Fim de citação. Se dúvidas houvesse sobre os deveres dos vários poderes na aplicação de políticas para a resolução dos problemas da habitação em Portugal, ficariam totalmente dissipadas. Bastava haver vontade política e que os poderes cumprissem com a lei. Face ao exposto, o primeiro-ministro, mais uma vez, pode e deve deixar de atirar areia para os olhos dos portugueses quando afirma que «Não começámos pelo telhado. Logo em 2014, na Agenda para a Década, que apresentei ao país, uma das Ações-Chave então identificadas foi a necessidade de lançamento de uma Nova Geração de Políticas de Habitação». Mas, mais uma vez as promessas não passaram disso mesmo, promessas. As tais ações-chave não abriram portas nenhuma, bem pelo contrário agudizaram o problema. Já em 2018 eram identificadas cerca de 26 mil famílias a viverem em casas sem condições e que necessitavam de um lar urgentemente. Mas em Março de 2022 o número de famílias a usarem habitações sem o mínimo de condições já era de 46 mil. Se há muitas famílias em casas sem condições, há tantas outras que procuram o lugar ideal para morar mas que não têm rendimentos para isso. A situação tem colocado em causa a mobilidade habitacional e o acesso à habitação para a classe média, de forma genérica, e, em particular, para as novas gerações, que estão agora a iniciar a vida profissional e procuram por habitação. Para além dos terrenos a preços proibitivos, ainda há os licenciamentos que se arrastam indefinidamente à espera da gorjeta numa qualquer repartição municipal, da agiotagem a lucrar com toda a negociata, dos materiais de construção de duvidosa qualidade, dos atropelos aos projectos com a corrupção como pano de fundo, das rendas exorbitantes para habitações sem quaisquer condições e por fim, mas não a menos importante, uma crise devida ao aprofundamento das injustiças e das desigualdades – os salários e as pensões que perdem poder de compra, os preços de bens e serviços essenciais que não param de aumentar. E a tal Nova Geração de Políticas de Habitação, apresentada pelo governo de Costa e do Ps, deu guarida à especulação de todo o tipo e deixou de fora a habitação social que é um dever dos vários poderes, governo e autarquias. Mais uma vez, no sector da habitação como em tantos outros do domínio do social, houve e há falta de investimento público. O governo desresponsabiliza-se e entrega a habitação aos especuladores do mercado. Sejamos claros. Todos os programas anunciados Porta 65, 1.º direito, o Porta de Entrada, Reabilitar para Arrendar e Arrendamento Acessível, e outros que tais são medidas de cosmética de uma qualquer loja de vão de escada ou de feira de ilusões. Tenham uma boa semana.