Passado
o dia de Portugal com discursos de exaltação à arraia-miúda e ao
que se quer fazer crer a importância da mesma na construção de
Portugal eis-nos de volta ao país real, sem no entremeio não surjam
os santos populares, os futebóis e as decisões judiciais que nos
fazem acreditar que vivemos num país de salafrários. Cada vez mais
me convenço que a mentira passou de subterfúgio para esconder a
triste e paupérrima realidade de um povo, a tal arraia-miúda, para
se transformar num forma de gozar com a iletracia dos portugueses.
Vem tudo a propósito de
um primeiro ministro de Portugal ter vindo falar
da necessidade de aumentar o peso dos salários no PIB e exortar
as empresas a que fizessem um esforço coletivo nesse sentido. Pôs
mesmo uma meta: até 2026, aumentar o salário médio em 20%. Até
2006, próximo das eleições, pois então. Percebido! Só
encontro uma forma para comentar o argumento do primeiro ministro.
Recorro-me de uma expressão latina
Ignotum
per ignotius
que
como se sabe significa “o desconhecido pelo mais desconhecido”.
Costa goza descaradamente com os portugueses. Ainda
não há muitas semanas o mesmíssimo Costa dizia que aumentar os
salários aos funcionários públicos em mais de 0,9% era alimentar
uma espiral inflacionista. Agora esconde a espiral. Quem entende? Até
parece que só os aumentos dos funcionários públicos é que causam
inflação. Os aumentos dos salários no sector privado não. Se
pensarmos com cuidado, percebemos que é precisamente o oposto. O
perigo de os aumentos salariais alimentarem a inflação tem a ver
com o facto de o empregador poder aumentar os preços transferindo o
aumento de custos para o cliente. Esse perigo é muito maior no
sector privado do que no público. Outro
gozo está na forma como Costa acha que vai conseguir chegar à meta
dos 20%. Diz António Costa que o peso dos salários no PIB é de 45%
e quer que suba para 48%. Para tal ser possível é necessário que
os salários aumentem mais do que o PIB. De acordo com as previsões
da Comissão Europeia, o PIB português deverá crescer, em termos
nominais, 8,8%. Na verdade, como a inflação prevista tem estado
sempre a ser revista em alta, o provável é mesmo que o PIB nominal
aumente ainda mais. Note-se que o PIB representa o valor de todos os
bens e serviços produzidos num ano, pelo que pode aumentar porque
cresceu a produção e/ou porque os preços subiram; já quando
falamos do PIB real, estamos a abstrair-nos dos efeitos
inflacionistas. Se as empresas seguirem o exemplo do Governo e
aumentarem os salários em 1%, o que vai acontecer é que o peso dos
salários no PIB, em vez de subir de 45% para 48%, desce para 42%. Ou
seja, se
as empresas, em vez de fazerem
o que António Costa diz, fizerem o que ele faz, o peso dos salários,
em vez de aumentar três pontos percentuais, cairá em igual
montante. Mas
há mais gozo nas palavras de Costa. Se Costa se refere a aumentos
reais dos salários, isso quer dizer que os salários têm de subir
bastante acima da inflação. Evidente senhor Costa! Admita, só para
simplificar as contas, que a inflação em 2022 é de 7%, depois cai
para 5% em 2023, 3% em 2024 e 2% em 2025 e 2026. Para que haja um
aumento real de 20% dos salários, estes terão de crescer 4 pontos
percentuais acima da inflação todos os anos. Só este ano teriam de
subir quase 11%. Mais uma habilidade ilusionista de Costa. E
o
coelho na cartola aí está.
O objetivo de aumentar os salários em 20% surge na mesma altura em
que o Governo anuncia experiências-piloto para testar a semana dos
quatro dias de trabalho. O Governo acena com menos um dia de trabalho
por semana, ou seja, uma redução de 20% da carga de trabalho
semanal, ao mesmo tempo que fixa como meta 20% de aumento salarial.
Andam os economistas a discutir se será possível reduzir a semana
de trabalho sem baixar salários e o Governo não só acha possível
não baixar salários como até acha que dá para os aumentar em 20%.
Se fizer as contas, verá que, para aumentar o salário em 20% ao
mesmo tempo que reduz o horário noutros 20%, o salário por hora
terá de aumentar 50%. O que acham? Mente ou não mente? Claro que
sim e descaradamente. O discurso de Costa é, e usando de novo uma
frase latina, Vox
nihili
que
significa “a
voz de nada”. Costa
como ilusionista sabe que nada é mais perigoso para a sua arte do
que os enganados perceberem o engodo. Sabendo
que os baixos salários e a pobreza relativa em relação aos países
menos ricos da União Europeia, são perigosos para o seu número no
circo de vida escolheu dizer que temos de aumentar os salários em
20% e aumentar o seu peso no PIB. Mas não se pense que a arte de bem
enganar os portugueses é só
obra
de Costa. Nada disso. Na
prática é uma versão mais esperta do famoso cálculo do défice
que o Banco de Portugal aceitou fazer a pedido do governo de
Sócrates: com esse cálculo de um défice fictício, que Sócrates
assumiu como referência, Sócrates conseguiu aumentar o défice,
dizendo sempre que o estava a baixar e os
portugueses foram
atrás dessa pantominice. Daqui para a frente, ao longo da
legislatura, passaremos o tempo a usar os 20% como referência, em
termos nominais obviamente,
como se fosse um objectivo do governo e não uma mera decorrência do
tempo, nas circunstâncias económicas que é previsível que
venhamos a ter. Como é habitual em António Costa, o que ele fez foi
formatar a discussão para não fazer nada e
para
que pareça
um feito digno de figurar nos Lusíadas. E arraia-miúda
irá outra
vez atrás dessa pantominice.
Tenham uma boa semana.
Tenham uma boa semana.