quinta-feira, junho 23, 2022

Ponto de vista

Mais um ano lectivo terminou ou está a terminar. Para alguns alunos começaram os chamados exames. Para outros já se iniciaram umas hipócritas provas que não passam disso mesmo provas de inutilidade, a que pomposamente chamam de Provas de Aferição. Mas aferir o quê? Aferir o trabalho? Não bastou um ano lectivo para o fazer? É necessário mais uma perda de tempo para ocupar alunos, professores e restantes funcionários? Lembrar que aferir significa cotejar medidas e pesos com o padrão oficial e carimbá-los, quando legais. Sendo que cotejar significa fazer a comparação de uma coisa com outra ou outras. Então é comparar? Mas comparar o incomparável? Confrontar? Lembrar que toda esta farsa serve de base ao que certa comunicação social tanto se regozija em publicar os chamados rankings das escolas. Tudo dito se alguma coisa ainda fosse necessário acrescentar à imbecilidade do acto. Agora já se diz que vai haver uma desmaterialização de provas e exames com a substituição do papel pelo recurso aos computadores. Todas as provas e exames serão realizadas de forma digital com excepção da Expressão Artística e Educação Física obviamente. Mas mais uma vez os donos do poder não percebem que o mal não está no veículo mas no percurso. E haverá meios informáticos para tal desmaterialização? E os acessos às provas e exames serão feitos de forma uniforme e em tempo real. Depois falamos! Mas voltemos à escola ou aquilo que pomposamente chamam de agrupamentos. Um aglomerado de burocracia gerido de forma napoleónica. O dito ano lectivo terminou, mas começou, como que por uma inverosímil geração espontânea, convocatórias para inúmeras reuniões, disto, daquilo e daqueloutro; catadupas de pedidos de elaboração de registos e relatórios, da mais variada ordem e natureza: estratégias, procedimentos, metodologias, para tudo e para todos; análises de resultados por disciplinas, por turma, por ano, por altura e peso dos alunos e pela cor dos respectivos olhos; pareceres sobre tutorias, cidadanias, mentorias, articulações várias, entre muitos outros; estratégias de remediação por aluno, por turma ou pelo que se queira. Acresce que o que está enunciado nessa panóplia de documentos e de registos nem sempre corresponde ao que na prática foi realizado, servindo apenas como adorno ou como tentativa de mostrar uma “realidade” que efectivamente não existe. Tanta pretensa proactividade, tanto suposto trabalho colaborativo e tanto dinamismo ilusório! E é simplesmente assim, porque sim. É a famosa avaliação do desempenho em marcha a toque da música celestial. Nas escolas não faltam motivos para “enlouquecer”: desde o confronto com insanáveis injustiças, Avaliação do Desempenho, mecanismos de progressão na Carreira, entre outras, até atitudes déspotas e ditatoriais por parte de alguns superiores hierárquicos, passando pela insustentável carga burocrática, pela “roleta russa” dos Concursos ou pela obrigação de satisfazer algumas pretensões fantasiosas e devaneios alheios, de que é exemplo paradigmático a execução do Projecto MAIA. Um projeto concertado a nível nacional no sentido de desenvolver um processo que, em colaboração com os Centros de Formação, com as direções dos Agrupamentos de Escolas e Escolas Não Agrupadas e com os docentes, crie condições para que a avaliação pedagógica seja integrada nos processos de desenvolvimento curricular e, desse modo, se articule com o ensino e com a aprendizagem. Transformar as escolas em empresas. Chega-se ao ridículo de se apresentarem cartões com smiles para se realizar o feedback das aprendizagens. É na escola que se pode estragar o gosto pela aprendizagem e que, sem ele, nada há a fazer. Não há explicações, dinheiro, castigo, incentivo ou remédio que os façam aprender seja o que for. Quem não quer ser ensinado não aprende. Os que se dedicam a estes temas deviam saber que cada um tem o seu ritmo e o seu tempo: o percurso escolar é uma maratona, não uma corrida de 200 metros. Sabe-se que quanto menos se pede aos alunos menos eles dão, de menos se consideram capazes e menos o serão. Há alunos que acabam os 12 anos de escolaridade sem saber fazer contas de dividir, sem nunca terem lido um livro, sem falar inglês ou ter feito uma apresentação oral. Trabalham menos, leem, interpretam e escrevem pior, revelam menos conhecimentos e – problema que não é de somenos importância – exibem comportamentos mais indisciplinados nas salas de aula. Isto é uma evidência que só escapa aos educadores românticos e aos tecnocratas da educação, que não pisam diariamente o chão das salas de aula, porquanto se escapuliram delas por falta de vocação e abnegação. Está o Ministério da Educação disponível para debater estas questões? Não, não está. Neste momento, a ordem é arregimentar novos crentes, silenciar e marginalizar os descrentes e caminhar gloriosamente para o abismo com recurso a projectos idílicos como o MAIA. Decerto que podemos já tirar uma ilação da alegada aplicação das «novas» pedagogias no domínio da avaliação: o sucesso educativo inflacionou e as percentagens de retenções diminuíram drasticamente. E tais cifras fazem a felicidade das direções das escolas, do Ministério da Educação, do seu ministro e inspetores, bem como de muitos alunos, pais e professores. E que dizer das novas alterações de conteúdos programáticos. Mais uma imbecilidade. A disciplina de Matemática vai ter novos conteúdos e abandonar outros. Quem podia supor que o estudo das sucessões desse lugar a modelos e processos eleitorais, à análise de modelos financeiros, ao pensamento computacional e à literacia estatística, como se a estatística não estivesse já nos conteúdos programáticos da disciplina. Introduzir a literacia financeira? Os alunos perceberem como os pais são roubados nos salários, impostos, descontos ou promoções? Até pode ser muito interessante. Mas haverá algo mais belo do que a sequência de Fibonacci? Também ela com centenas de aplicações ao dia-a-dia desde análises financeiras à informática e à própria natureza. Dizem que a alterações visam tornar a disciplina de Matemática "para todos" e que os alunos a consigam utilizar no seu dia-a-dia. Disciplina para todos? Mas não era? Havia algum obstáculo a limitar a sua aprendizagem? Só, e mais uma vez, quem não quer ser ensinado não aprende. E por fim, não posso, não devo esquecer o Ensino Especial. Especial por que diz respeito a crianças com necessidades educativas especiais. Entre Janeiro e Abril deste ano, um em cada quatro subsídios de educação especial foi cortado pela Segurança Social. Foram feitos menos 45 mil pagamentos de apoios de bonificação por deficiência, no mesmo período, enquanto o abono de família continua na trajetória descendente e o número de beneficiários nunca foi tão baixo. Há várias crianças com deficiência que necessitam de frequentar o ensino especial ou serem acompanhadas com terapias, normalmente efetuadas no privado e pagas contra reembolso aos pais. A ausência de apoio a estas crianças pode significar um agravamento da sua condição bem como uma sobrecarga financeira muito significativa para os pais. Como disse Paulo Freire «A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades». 
Tenham uma boa semana.