Mais
um ano lectivo terminou ou está a terminar. Para alguns alunos
começaram os chamados exames. Para outros já se iniciaram umas
hipócritas provas que não passam disso mesmo provas de inutilidade,
a que pomposamente chamam de Provas de Aferição. Mas aferir o quê?
Aferir o trabalho? Não bastou um ano lectivo para o fazer? É
necessário mais uma perda de tempo para ocupar alunos, professores e
restantes funcionários? Lembrar que aferir significa cotejar
medidas e pesos com o padrão oficial e carimbá-los, quando legais.
Sendo
que cotejar significa fazer a comparação de uma coisa com outra ou
outras. Então
é comparar?
Mas comparar o incomparável? Confrontar? Lembrar que toda esta farsa
serve de base ao que certa comunicação social tanto se regozija em
publicar os chamados rankings das escolas. Tudo dito se alguma coisa
ainda fosse necessário acrescentar à imbecilidade do acto. Agora
já se diz que vai haver uma
desmaterialização de provas e exames com a substituição do papel
pelo recurso aos computadores. Todas as provas e exames serão
realizadas de forma digital com excepção da Expressão Artística e
Educação Física obviamente.
Mas mais uma vez os donos do poder não percebem que o mal não está
no veículo mas no percurso. E
haverá meios informáticos para tal desmaterialização? E os
acessos às provas e exames serão feitos de forma uniforme e em
tempo real. Depois falamos! Mas voltemos à escola ou aquilo que
pomposamente chamam de agrupamentos. Um aglomerado de burocracia
gerido de forma napoleónica.
O
dito ano
lectivo terminou,
mas começou, como que por uma inverosímil geração espontânea,
convocatórias para inúmeras reuniões, disto, daquilo e
daqueloutro; catadupas de pedidos de elaboração de registos e
relatórios, da mais variada ordem e natureza: estratégias,
procedimentos, metodologias, para tudo e para todos; análises de
resultados por disciplinas, por turma, por ano, por altura e peso dos
alunos e pela cor dos respectivos olhos; pareceres sobre tutorias,
cidadanias, mentorias, articulações várias, entre muitos outros;
estratégias de remediação por aluno, por turma ou pelo que se
queira. Acresce que o que está enunciado nessa panóplia de
documentos e de registos nem sempre corresponde ao que na prática
foi realizado, servindo apenas como adorno ou como tentativa de
mostrar uma “realidade” que efectivamente não existe. Tanta
pretensa proactividade, tanto suposto trabalho colaborativo e tanto
dinamismo ilusório! E é simplesmente assim, porque sim. É
a famosa avaliação do desempenho em marcha a toque da música
celestial. Nas escolas não faltam motivos para “enlouquecer”:
desde o confronto com insanáveis injustiças, Avaliação
do Desempenho,
mecanismos de progressão na Carreira, entre outras, até atitudes
déspotas e ditatoriais por parte de alguns superiores hierárquicos,
passando pela insustentável carga burocrática, pela “roleta
russa” dos Concursos ou pela obrigação de satisfazer algumas
pretensões fantasiosas e devaneios alheios, de que é exemplo
paradigmático a execução do Projecto MAIA. Um
projeto concertado a nível nacional no sentido de desenvolver um
processo que, em colaboração com os Centros
de Formação,
com as direções dos Agrupamentos de Escolas e
Escolas
Não Agrupadas e com os docentes, crie condições para que a
avaliação pedagógica seja integrada nos processos de
desenvolvimento curricular e, desse modo, se articule com o ensino e
com a aprendizagem. Transformar as escolas em empresas. Chega-se ao
ridículo de se apresentarem cartões com smiles para se realizar o
feedback das aprendizagens. É
na escola que se pode estragar o gosto pela aprendizagem e que, sem
ele, nada há a fazer. Não há explicações, dinheiro, castigo,
incentivo ou remédio que os façam aprender seja o que for. Quem não
quer ser ensinado não aprende. Os
que se dedicam a estes temas
deviam saber que cada um tem o seu ritmo e o seu tempo: o percurso
escolar é uma maratona, não uma corrida de 200 metros. Sabe-se
que quanto menos se pede aos alunos menos eles dão, de menos se
consideram capazes e menos o serão. Há alunos que acabam os 12 anos
de escolaridade sem saber fazer contas de dividir, sem nunca terem
lido um livro, sem falar inglês ou ter feito uma apresentação
oral. Trabalham menos, leem, interpretam e escrevem pior, revelam
menos conhecimentos e – problema que não é de somenos importância
– exibem comportamentos mais indisciplinados nas salas de aula.
Isto é uma evidência que só escapa aos educadores românticos e
aos tecnocratas da educação, que não pisam diariamente o chão das
salas de aula, porquanto se escapuliram delas por falta de vocação
e abnegação. Está o Ministério
da Educação
disponível para debater estas questões? Não, não
está. Neste momento, a ordem é arregimentar novos crentes,
silenciar e marginalizar os descrentes e caminhar gloriosamente para
o abismo com
recurso a projectos idílicos como o MAIA.
Decerto que podemos já tirar uma ilação da alegada aplicação das
«novas» pedagogias no domínio da avaliação: o sucesso educativo
inflacionou e as percentagens de retenções diminuíram
drasticamente. E tais cifras fazem a felicidade das direções das
escolas, do Ministério
da Educação,
do seu ministro e inspetores, bem como de muitos alunos, pais e
professores. E
que dizer das novas alterações de conteúdos programáticos.
Mais
uma imbecilidade.
A disciplina de Matemática vai ter novos conteúdos e abandonar
outros. Quem podia supor que o estudo das sucessões desse lugar a
modelos
e processos eleitorais, à
análise de modelos financeiros,
ao
pensamento computacional e
à
literacia estatística, como se a estatística não estivesse já nos
conteúdos programáticos da disciplina. Introduzir
a literacia financeira? Os alunos perceberem como os pais são
roubados nos salários, impostos, descontos ou promoções? Até pode
ser muito interessante. Mas
haverá algo mais belo do que a sequência de Fibonacci? Também ela
com centenas de aplicações ao dia-a-dia desde análises financeiras
à informática e à própria natureza. Dizem
que a alterações visam tornar a disciplina de Matemática "para
todos" e que os alunos a consigam utilizar no seu dia-a-dia.
Disciplina para todos? Mas não era? Havia algum obstáculo a limitar
a sua aprendizagem? Só,
e mais uma vez, quem não quer ser ensinado não aprende. E por fim,
não posso, não devo esquecer o Ensino
Especial. Especial
por que diz respeito a crianças com necessidades educativas
especiais. Entre
Janeiro
e Abril
deste ano, um em cada quatro subsídios de educação especial foi
cortado pela Segurança Social. Foram feitos menos 45 mil pagamentos
de apoios de bonificação por deficiência, no mesmo período,
enquanto o abono de família continua na trajetória descendente e o
número de beneficiários nunca foi tão baixo.
Há várias crianças com deficiência que necessitam de frequentar o
ensino
especial ou serem
acompanhadas com terapias, normalmente efetuadas no privado e pagas
contra reembolso aos pais. A ausência de apoio a estas crianças
pode significar um agravamento da sua condição bem como uma
sobrecarga financeira muito significativa para os pais. Como
disse Paulo Freire «A inclusão acontece quando se aprende com as
diferenças e não com as igualdades».
Tenham uma boa semana.