Dou início a esta crónica com uma declaração de princípio. Alguém, como eu, que ao longo da vida sempre lutou pela dignificação, em todos os aspetos, da função económica e social do trabalhador e contra todo o tipo de injustiças que sobre si sejam cometidas, não pode, não deve ficar indiferente à questão do descongelamento do tempo de serviço dos professores. Não concebo o trabalho, seja ele de âmbito intelectual ou manual, como coisa sem valor, como pretendem fazer as recuperadas e dominantes teorias neoliberais, a coberto das ardilosas formas que as inúmeras falhas da nossa democracia representativa colocam ao seu alcance.
Feito este ponto prévio e estabelecida esta premissa da defesa dos direitos de todos aqueles que trabalham, passo então à denúncia daquilo que considero serem falsidades e injustiças que importa combater.
Em primeiro lugar é falso que toda a Administração Pública tenha recuperado todo o tempo de congelamento de salários e que tenha existido a correspondente melhoria de rendimentos. As poucas migalhas, ainda assim repartidas por prestações mensais, concedidas aos trabalhadores com remuneração mais baixa, não são por isso argumento atendível para esta discussão. Para agravar a afronta, alguns grupos especiais da administração do Estado ou dos seus órgãos de soberania não sofreram dos mesmos males a que foram submetidos os mais humildes. Pode dizer-se que o mal, quando existiu, não foi repartido pelas aldeias…
Em segundo lugar, é de tal forma injusta e incoerente esta falta de partilha das migalhas entre todos os funcionários públicos, e já agora entre privados, que a própria CGTP, cujos sindicatos durante a atual legislatura pouco ou nada fizeram efetivamente em prol da verdadeira recuperação de direitos perdidos, que o seu secretário geral recuperou a pose e veio tardiamente defender o princípio de tratamento igual para os trabalhadores da Administração Pública.
A pergunta que se impõe nestas circunstâncias é sobre o que andaram os sindicalistas a fazer durante tanto tempo e em tantas reuniões com uma tutela, a mesma tutela com a qual o partido das suas simpatias políticas assinou um acordo de incidência parlamentar?
Em terceiro e último lugar, convém não esquecermos que vivemos num país em que é muito mais fácil descongelar bancos do que carreiras de funcionários públicos, e que isso cria desespero e empurra as pessoas para os extremos. Noutros países, aonde a sensibilidade social é maior do que a nossa, a extrema-direita tem crescido a olhos vistos.
Por tudo isto, se os professores poderiam até nem ter toda a razão ao reivindicarem aquilo que sabiam que jamais seria concedido a outros, recuperaram-na no dia em que o primeiro-ministro ameaçou demitir-se por sua causa. Primeiro-ministro que, recorde-se, nunca se demitiria se amanhã tivesse de entregar mais uma tranche de dois ou três mil milhões a um banco que deles necessitasse devido às fraudes e desfalques cometidos por amigalhaços do seu próprio partido!
Parafraseando alguém que colocou nestes termos a questão, a confirmar-se a reposição integral do tempo de serviço dos professores e dos funcionários públicos, em geral, que seria sempre efetuada de forma faseada, lá para 2023, os funcionários teriam salários nominais (não reais) equivalentes aos de, aproximadamente, 2010.
É deste desnorteio financeiro e governativo que falamos. Mal está o país que vê a sua sustentabilidade financeira ameaçada por em 2023 dar aos seus funcionários vencimentos de 2010! Afinal, o problema não está nos milhares de milhões que vão para os bancos e para as PPP’s, o problema não está nas fortunas que têm sido desviadas e perdoadas. O problema está mesmo é no salário justo dos funcionários públicos e do sector privado. Apenas.
(Crónica jornal O Interior - 9 de Maio 2019)