Há cerca de duas
semanas, o primeiro-ministro de Portugal, referindo-se à aproximação do
programa de resgate a que temos estado submetidos, garantiu, mais uma vez, que
no futuro o controle do défice público não ocorreria à custa de mais aumentos
de impostos.
Passos Coelho afirmou,
e passo a citar, que “não são medidas que
incidam em matéria de impostos, salários ou pensões, creio que já
esclareci bem essa matéria e não creio sinceramente que devemos estar todos os
dias a criar uma notícia em volta dessa matéria”. Garantiu que as medidas
incidiriam na, e volto a citar, “poupança
ao nível da máquina do Estado”, embora não tenha esclarecido se se referia
à máquina partidária do Estado. Perante
a suspeita generalizada de que, mais uma vez, seríamos vítimas de um dos muitos
logros com que anteriormente fomos brindados, Passos Coelho insistiu que, e
cito novamente, “não há nenhuma razão
para estar a criar um bicho-de-sete-cabeças à volta desses cortes que o Estado
vai ter de fazer para o próximo ano”.
Como pelos vistos
mentir já não basta para nos chocar, Passos Coelho atirou-se ainda na altura a
um patético exercício de propaganda pré-eleitoral, garantindo que, oiçam só, “vivemos, felizmente cada vez mais, tempos de
normalidade e não deixaremos de transmitir com muita transparência aos cidadãos,
aquilo que são as nossas intenções”.
Decorridas que estão
duas semanas, a “normalidade” de Passos
Coelho e dos seus ministros leva-os a fazer o oposto daquilo a que se comprometeram.
O Documento de Execução Orçamental, anunciando para 2015 um novo aumento no IVA
e um agravamento na Taxa Social Única dos trabalhadores, é a prova disso mesmo.
Por exemplo, os
funcionários públicos terão os seus salários cortados durante oito anos, com a
falácia de que vão começar a reaver o que lhes foi cortado, mas apenas quando
houver condições. Como é mais fácil ir à lua a pé do que algum dia reunir as
tais condições, está consumado o cinismo de quem conseguiu tornar realidade a brejeira
piada de quem afirmava que um dia ainda teríamos saudades da troika!
No meio de mais não sei
quantos mil milhões de euros de envergonhada austeridade até 2016 e de uma dívida
pública que ainda sobe mais em 2014, no meio de tantos e inglórios sacrifícios
da classe média e dos mais pobres, ouviram-se pérolas como a de que “o aumento do IVA será amigo da economia”,
pela boca de Passos Coelho, ou “o
governo tem a preocupação de proteger os mais desfavorecidos”, pela boca da
ministra das Finanças, ou ainda, “o
Documento de Execução Orçamental é um bom documento para a economia”, por
Pires de Lima.
Já sabíamos que a
democracia está doente, muito doente. Não é novidade que o povo tem da
generalidade dos políticos, sobretudo daqueles que acedem ao poder, uma ideia
que pode ser traduzida por uma expressão popular: uma grande corja de
aldrabões!
Mas é, infelizmente, pelo
menos para mim, uma novidade que o país não reaja, face ao deplorável estado de
falta de vergonha a que chegámos, com a revolta e a raiva que se esperaria.
Basta olhar para as sondagens que, de forma geral, mantêm tudo mais ou menos na
mesma.
Portugal tem “um povo imbecilizado e resignado, humilde e
macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando
pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar
de dentes, a energia dum coice, pois que já nem com as orelhas é capaz de
sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante não se lembrando nem donde
vem, nem onde está, nem para onde vai”.
Estas últimas palavras não são da minha autoria. São de Guerra Junqueiro e foram
proferidas em 1896, ou seja, há 120 anos. Infelizmente são tão atuais hoje,
como o eram à data. Nada mudou. Apenas as moscas que não conseguimos enxotar.
Tenham
um bom dia!
(Crónica Rádio F - 5 de Maio de 2014)