A “conversa” de que o país
está melhor mas as pessoas estão pior não é nova no ideário neoliberal, nem
nasceu em Portugal.
Quando Alan Greenspan -
acerca das maravilhas da economia - testemunhou perante o Congresso americano
em 1997, afirmou que uma das bases para o sucesso económico era o que
chamou de “maior insegurança dos trabalhadores”. Se os trabalhadores estão
mais inseguros isso é muito “saudável” para sociedade, porque não questionarão
os seus salários, não entrarão em greve, não pedirão repartição de lucros, limitando-se
a servir os seus patrões de bom grado e de forma passiva.
A ideia é dividir a
sociedade em dois grupos. Um grupo é conhecido como a “plutonomia”, um termo
usado pelo Citibank para aconselhar os seus investidores na aplicação de recursos.
É constituído pelo sector top da riqueza, concentrado principalmente nos
Estados Unidos e numa mão cheia de países. O outro grupo, o restante da
população americana e mundial, é o que os ricos chamam de “precariado”, as
pessoas que vivem algures na corda bamba. São os escravos dos tempos modernos.
Somos nós.
O uso da mão-de-obra
barata e fragilizada é uma prática tão antiga quanto a iniciativa privada,
tendo os sindicatos surgido em resposta a ela.
A propalada “reforma
laboral” consiste em tornar o trabalho mais “flexível”, isto é, em fazer com
que seja mais fácil contratar e despedir. Não passa, no entanto, de uma forma para
garantir a maximização de lucros e de controlo. “Flexibilidade”, palavra
originalmente associada a coisas boas, aparece assim casada com “maior
insegurança dos trabalhadores”.
Quando os donos e
gestores das instituições financeiras e grandes empresas, apoiados nos
políticos seus mandatários, afirmam que um país está melhor, o que
eles querem efectivamente dizer é que “eles” estão melhor. Eles e os
mercados. O resto da população está sempre pior. Para eles, os países são eles
próprios e a sua riqueza. Nada mais conta. O resto da população é apenas um “precariado” que
os deve servir a troco de salários que, sendo tão baixos quanto possível, não
causem desespero suficiente para alimentar revoluções que deitem tudo a perder.
Claro que para estes
patrões, financeiros e políticos, a ECONOMIA está FORA das pessoas. Não
concebem a ideia de que o objetivo da economia é o da melhoria das condições de
existência de uma sociedade, de toda a sociedade, e não apenas da plutonomia
que detém o verdadeiro poder. A sua religião assenta na ideia sagrada de que as
pessoas devem servir a economia, em vez de ser a economia a servir as pessoas.
É este o novo modelo de
sociedade que nos querem impor, “custe o que custar”, e, se possível, em
consenso com o Partido Socialista. O tal consenso que Cavaco voltou a referir
no discurso do 25 de Abril.
Quando Cavaco fala na
necessidade de sacrifícios para bem da economia, para bem do país, o que quer
efectivamente dizer é que 90% da população deve aceitar sacrifícios nos seus
rendimentos e bem-estar para que os 10% restantes, que já controlam financeira,
económica e politicamente o país, possam viver melhor e acumular ainda mais
riqueza.
Quando o governo fala
em reformas laborais e outras como a da privatização da Saúde, da Educação e da
Proteção Social, o que quer dizer é que quanto mais precário for o emprego e
maior a insegurança do trabalhador, mais barata e dócil será a mão-de-obra e
mais fácil será a maximização do lucro. E quanto mais submissos e conformados
forem os cidadãos, maior o controlo dos poderosos sobre a sociedade.
Sinceramente, já não há
pachorra. Que eles tentem, até percebo. Mas que acreditem que nos convencem a
todos, isso é outra coisa.
Como disse um dia Salgueiro
Maia, com clarividência, antevendo já o assalto ao património do Estado e o
lamentável estado a que chegámos, “Não se preocupem com o local onde sepultar o
meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a
construir.
Assim falou quem nunca
foi rico.
Tenham um bom dia!
(crónica na rádio F - 27 de Abril de 2014)